Marginalizado durante muitas décadas, o rap hoje tem um lugar ao sol, aos palcos, e inclusive aos iPods de uma elite metida a defensora da humanidade. Entretanto, ainda vem sofrendo com críticas que o avaliam por qualquer outro motivo paralelo, exceto pela sua verdadeira existência.
Na semana passada, Rashid (variação do árabe Rachid, que significa “O Justo”) voltou aos mics com a track “A Cena”, gravada em parceria com Izzy Gordon. E nada de novo na filosofia do rapper de uma nova escola de rimadores: suas rimas continuam bem construídas, a batida ainda é instigante e sua forma de cantar é característica do seu trabalho.
Mesmo assim, com o lançamento da faixa, o debate acabou voltando à mesa, principalmente com a crítica – e com quem se intitula como tal – alegando que o rap novo não presta, porque se afasta das origens, enquanto outros dizem que isso tudo é só uma evolução do que era anos atrás.
Suas rimas continuam bem construídas, a batida ainda é instigante e sua forma de cantar é característica do seu trabalho.
De fato, o rap evoluiu como todo e qualquer gênero faz. Faz parte da inovação dos músicos, que buscam fazer seu trabalho com sua identidade e conquistar fãs com letras, melodias e um trabalho diferente. A música também tem empreendedores, e esse detalhe parece passar despercebido na hora de elaborar um parecer sobre um novo material.
Contudo, é absurda qualquer crítica apontando para os critérios comerciais; o estilo não é feito pelo dinheiro e sim o dinheiro é uma consequência de um trabalho que multiplica corações, como diria o próprio Rashid.
E entre essa linhagem de empreendedores da nossa nova música, Rashid é, sem dúvida alguma, um de meus favoritos. Até porque, em meio a essa cultura atual de problematizar e politizar todo e qualquer assunto, o rapper traz em cada uma de suas letras um oásis sobre determinação e força de vontade, unindo a triste realidade e adversidade da vida na periferia com o otimismo e a gana de quem não se contenta com menos que a própria felicidade. Aqui não há culpa e culpados, mas sim um caminho a trilhar e a vencer.
Claro que a questão racial ainda é um estigma da nossa sociedade, sendo frequentemente alimentada pelos discursos inflamados de ódio. Mesmo assim, Rashid junta o melhor dos ideais de Malcolm X e Luther King, com a parte da filosofia de Ayn Rand, que diz que “se defendemos os direitos individuais do homem, devemos defender seu direito à sua própria vida, à sua própria liberdade, e à busca de sua própria felicidade”. E Rashid, sabendo ou não disso tudo, defende em cada faixa a felicidade, a liberdade e a vida dos meninos e meninas da quebrada – e nesse ponto, qualquer viés político se apequena diante de todo o desejo por mudanças e prosperidade.
A cada álbum, a cada faixa e a cada verso é fácil identificar os três pilares que sustentam seu trabalho e sua filosofia: um objetivo, a vontade de fazer a diferença e se manter de pé diante que qualquer problema. Ou foco, força e fé, como diria seu amigo Projota.
Faixas como “Nada Pra Ninguém”, “Quando Eu Morrer” e “Mil Cairão” talvez sejam exemplos perfeitos – e isolados para ilustrar o que cada um dos pilares representa na música e vida do rapper – que são levados a todas as casas, da periferia aos condomínios. E para ouvir essas lições, bastam apenas um discman e um par de fones de ouvido. Ou seja, não importa sua cor, classe ou credo, se você tem um objetivo, você pode ser o um em um milhão. E se para Rashid, “só quem é livre pode libertar”, ouvir sua música e absorver suas lições é, de fato, extremamente libertador.
Do lado extremamente técnico, Rashid cativa pela entonação. Em seus vocais, consegue alternar fácil entre o êxtase e a calma e ir do sorriso à fúria, sem soar agressivo, tampouco manso. Existe ali uma característica que, independente da entonação, você consegue sentir o sorriso do otimismo e o gás de quem sabe que está em ascensão.
Ouvir Rashid é uma experiência que passa da barreira do estilo. As batidas produzidas reúnem mixes de diferentes instrumentos e gêneros e que, assim como nas terras do Tio Sam, você consegue imaginá-lo fácil compondo faixas com grupos de rock, de pop e até de samba. Aliás, eu já imagino assim há muito tempo e apenas espero pelo momento em que isso finalmente aconteça.
Com o lançamento da nova faixa e dos últimos singles, há indícios de um novo e arrasador álbum por aí, tão bom quanto Confundido Sábios e Que Assim Seja foram.
Em resumo, o Rashid artístico é uma das novas vozes e que deu ao seu estilo uma nova cara, mesmo sempre deixando claro suas raízes e influências, enquanto em sua filosofia e identidade, leva a todos os seus fãs as mensagens de superação e de perseguição aos próprios sonhos, sempre da melhor maneira. E que, passando por cima de opiniões contra ou a favor da sua música, merece uma salva de palmas por representar a alma e essência do rap.
Rashid é um artista completo, que tem muito para nos trazer em seus próximos trabalhos e que não deve nada para ninguém mesmo, nem a gringos e nem a locais. Enquanto isso, ficamos no aguardo tocando sem parar as mixtapes mais antigas, que são excelentes.
Porque, como ele mesmo diria em “R.A.P.”, quando muita coisa ainda não veio, o rap já estava lá.