Há 17 anos, Chris Martin, líder do Coldplay, fez uma deferência ao Travis, grupo que se apresentou ontem na Audio, em São Paulo, chamando-os de “a banda que inventou minha banda, e muitas outras”. Mas ao passo que suas “invenções” tomaram corpo e, de modo quase megalomaníaco, dominaram o mundo, os escoceses de Glasgow ficaram à sombra de seus discípulos – em parte, de forma proposital, aspecto já admitido em entrevistas pelo líder do quarteto, Fran Healy.
O Travis surgiu em um momento pós-britpop, quando o mundo ainda olhava para as bandas britânicas em busca do próximo Oasis (ou Blur), e para Healy era necessário que o grupo fosse o que se propunham originalmente a ser: uma banda, ao invés de uma engrenagem velha que seria cuspida pela indústria da música. A questão é que, em estúdio, os escoceses fizeram escolhas no mínimo duvidosas depois de The Man Who, aclamado disco de 1999 – de The Invisible Band em diante, foi só ladeira abaixo.
Para a sorte dos músicos, esse olhar crítico não se reflete nos fãs, que lotaram o show de ontem na capital paulista (ao custo de muita promoção e descontos no preço, diga-se), e cantaram, a plenos pulmões, as 21 faixas interpretadas – com direito a um cover de “…Baby One More Time”, da cantora Britney Spears, o que só se faz quando tem a certeza de que o jogo está ganho, um equivalente às embaixadinhas de Edilson Capetinha naquele Corinthians versus Palmeiras de 1999.
Healy sabe escrever músicas pop que ficam excelentes para shows.
É inegável que a trajetória conflituosa do Travis não significa uma musicografia ruim. As canções agridoces e a “fofura” do quarteto em cima do palco são verdadeiramente cativantes, e Healy sabe escrever músicas pop que ficam excelentes para shows – o que torna completamente compreensível a fala de Chris Martin sobre a influência na formação do Coldplay. A apresentação se torna, então, uma espécie de missa dominical, com cada presente entoando os “versos bíblicos” da banda.
Se em espetáculos de algumas bandas do rock, as primeiras faixas são uma espécie de aquecimento, para no segundo ato arrebatar sua audiência, o Travis não quis saber muito dessa fórmula. “Bus”, “Driftwood”, “Good Feeling” e “Good Day to Die” compuseram o primeiro terço do show, com todas, sem exceção, cantadas pelos fãs – não foram poucos os que foram às lágrimas. A comoção era tamanha, e o mesmo pode se dizer da inúmera quantidade de celulares empunhados filmando os escoceses.
Parecia tão fácil que Fran Healy se deu ao luxo de passar a contar histórias antes de entoar algumas das faixas que havia em seu setlist. Coube inclusive o chiste com o Oasis, de quem Healy afirmou ter “roubado” a melodia de “Wonderwall” para usar em “Writing to Reach You”. “Eles são acusados de roubar melodias de outras bandas, então por que não fazer o mesmo com eles?”, disse entre risos antes de fazer um medley entre as músicas. “Side” e “Closer” armaram o meio de campo para que “Sing” ecoasse pela casa na Barra Funda, e que fez boa dupla com “Re-Offender”, mostrando que o Travis sabe montar listas para suas apresentações de modo que o pique fique sempre lá em cima para os fãs.
A partir desse instante, o grupo de Healy fez tal qual o beberrão alcoolizado que se torna amigo de todos e quer pagar a conta da mesa: muita conversa, histórias e canções de fazer o povo chorar. Só não ensaiaram bem a saída após “Turn”, na famigerada antecipação de um retorno para o bis. Mas esse momento anticlímax parece ter importado pouco para o público, que ganhou (além da cover de Britney) “My Eyes”, “Selfish Jean” e um encerramento apoteótico com “Why Does It Always Rain on Me”. Os fãs só esperam que não demorem mais 11 anos para um retorno.
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