Por Camila Nichetti*, especial para A Escotilha
A ideia de ir a um show sem ter a mínima noção de quem iria tocar já parecia um tanto quanto inusitada. Mas o imprevisível se tornou ainda mais atraente quando cheguei ao local do evento, um casarão dos anos 70 no centro da cidade. Uma escadaria no meio do jardim dava acesso à porta de entrada da Casabau. Lá dentro, almofadas no chão de parquet, bancos feitos de pneus e revestidos com crochê, luminárias de madeira e enormes cabides com roupas, sapatos e bolsas à venda dividiam espaço com microfones, caixas de som e instrumentos musicais.
E foi nesse ambiente que aconteceu no último domingo (24), a 13º edição do Sofar Sounds em Curitiba. Trata-se de um projeto de música independente, que organiza performances de novos artistas em locais secretos. Com o objetivo de proporcionar novas experiências, valorizar e aproximar os músicos e o público, o Sofar – abreviatura de Songs From a Room – é considerado hoje a maior comunidade de música independente do mundo. Atualmente as apresentações acontecem em mais de 220 cidades nos cinco continentes.
Cada edição do Sofar reúne de três a cinco bandas independentes, e o público só fica sabendo quem são as atrações na hora do show. O local só é divulgado 48 horas antes do evento, mas uma coisa é certa: como o Sofar Sounds preza por intimidade e a informalidade de espaços pequenos e cheios de estilo, os shows normalmente acontecem em ambientes como residências, ateliês e galerias, se opondo totalmente à impessoalidade das grandes casas de shows. O propósito disso é fazer com que o público sinta-se como se estivesse assistindo a um show na casa de um amigo.
Shows
Por volta de 17h40, o público, composto por pouco mais de 80 pessoas, se acomodou no chão e nos bancos para assistir à primeira atração secreta do evento. A dupla de Porto Alegre Leandro Neko e Anna Sofya, do O Amor Existe, deram início ao Sofar. O projeto O Amor Existe une música e literatura, produzindo um combo composto por um livro e um disco.
“O Amor Existe começou com algumas crônicas que eu publicava no Facebook e o pessoal pedia muito para que eu lançasse um livro com elas, e isso aconteceu. Com o passar do tempo eu vi que eu poderia musicar essas crônicas e fazer isso virar algo diferente. O projeto completa dois anos em agosto e já lançamos dois livros e dois EPs, agora temos o terceiro lançamento, que é um livro com 10 capítulos e um disco com 10 músicas. Através das crônicas nós contamos as histórias das músicas e o que elas querem transmitir”, explica o músico Leandro Neko, que junto de Anna cantou quatro músicas durante sua apresentação.
No intervalo entre os shows, as pessoas saíam da sala e interagiam entre si e também com os artistas, correspondendo a um dos princípios do Sofar Sounds. Enquanto o próximo artista se preparava para iniciar seu show, grupos ocupavam as esteiras estendidas no jardim e bebiam cerveja.
Com o incenso renovado e o público retornando à sala, a segunda atração deu continuidade no Sofar. Thais Morell, cantora, compositora e multi-instrumentista curitibana radicada na Espanha, apresentou músicas que misturam ritmos como MPB e Jazz. O público interagiu com a cantora em todas as canções, hora batendo palma, hora fazendo coro da canção.
Com os pés descalços, Juliana Cortes, também de Curitiba, foi responsável por finalizar esta edição do Sofar Sounds. A cantora apresentou músicas do seu primeiro disco, lançado em 2013, chamado (In)vento, e do lançamento de 2016, o álbum Gris, além de cantar a música “Navio”, de Paulo Leminski.
“É a primeira vez que eu participo de um evento que canto para um público que não conheço ninguém. É diferente você entrar no palco e não reconhecer nenhum rosto, mas eu acho que é um projeto que ganha uma força muito grande a cada edição, não só aqui, mas no mundo inteiro. E é muito bacana fazer essa troca e deixar nosso trabalho mais próximo do público, sentir o público junto ao palco”, conta Juliana.
Evento
Apesar do sucesso, o Sofar Sounds é um evento tipicamente alternativo e o conceito de promover o encontro de músicos e plateia de uma forma quase íntima é destacado pela organizadora do evento em Curitiba, Aline Valente Lobo. “O Sofar é sempre uma surpresa, pois vem um público diferente, o ambiente muda, os artistas são outros. Por isso cada edição é única. Mas o objetivo maior do projeto, que é fazer essa conexão dos artistas com o público, fazer um network entre os artistas – que talvez fosse um encontro que não acontecesse de outra forma – é sempre cumprido”.
Ela também conta como é feita a seleção dos artistas que irão se apresentar no Sofar. “Nós recebemos indicações por email, pelo site do projeto e pela página no Facebook; as indicações são feitas pelo público ou o próprio artista se candidata. Então nós fazemos uma avaliação local e depois enviamos o material desses artistas pra Londres, sede do projeto, e lá eles escolhem os selecionados pelos critérios de originalidade e excelência”.
Sobre o conceito de manter os nomes dos artistas e locais em segredo, ela afirma que não divulgar previamente as atrações faz com que o público se interesse por novos sons, e isso incentiva a cena independente.
* Camila Nichetti é graduanda em Jornalismo pelo UniBrasil Centro Universitário. No jornalismo, atira para todos lados, trabalhou com assessoria de comunicação, jornalismo esportivo e fotografia. Atualmente, produz um livro reportagem sobre histórias de vida.