Quando se olha o trabalho de qualquer grande banda da música mundial, com ênfase nos grupos de rock, anos depois de sua gravação e lançamento, temos uma perspectiva mais clara de todas as flutuações pelas quais aqueles artistas passaram ao longo de sua carreira. Nada é imutável, nada é estanque, nada é uma única coisa. Ou, ao menos, não deveria ser. Entretanto, o que dizer quando o que se coloca em perspectiva possui maturação menor que, digamos, o tempo de atividade de um Led Zeppelin ou um Rolling Stones?
Os paranaenses da Stolen Byrds possuem alguns dos melhores registros recentes feitos neste recorte do Sul do país. Prolíficos, raramente passam muito tempo sem entregar alguma nova peripécia. Wunderlust, seu mais recente full length, coloca a banda sob um novo ponto de vista, obrigando que todos reinterpretem sua musicalidade.
Wunderlust é o segundo fruto da parceria com a Sony Music, contrato adquirido após vencerem um concurso realizado em Curitiba. Na contramão do senso comum, a Stolen Byrds parece ter ganhado uma liberdade estética e musical pouco usual em contextos como o que vivem os artistas contemporâneos. Se outrora, viver como um artista independente era sinal de autonomia na carreira, hoje os músicos de Maringá parecem cada vez mais dispostos a experimentar – e com o total consentimento da gravadora.
Com o novo registro, a Stolen Byrds deixa para trás a possibilidade de rótulos? Bem, confesso que ainda é cedo para cravar. Entretanto, é inegável que suas mentes fervilham em uma sintonia pouco convencional. Há quem certamente torcerá o nariz e se fará de mouco: seu stoner com doses de uma acidez heavy metal emergem muito menos em Wunderlust, ainda que aqui e acolá seus riffs densos e bem estruturados ressurjam, como um lembrete de que estão ali, mas também uma sinalização de sua veia camaleônica.
As influências se cruzam e descruzam no disco de forma tão homogênea que é impossível imaginar que neste caldeirão há um integrante recente: Fernando Vallim assumiu uma das guitarras como se em espírito sempre a estivesse empunhando.
Ser experimental, no rock, não é nenhum desvio de rota, muito menos incomum. Isso, inclusive, por vezes dita um novo paradigma para grupos sem, necessariamente, ser melhor ou pior. São fases. A diferença, talvez, seja que existam fases que não deveriam existir, enquanto outras são determinantes para o que se pensa sobre a verve criativa do artista. O maior exemplo dessa mutabilidade pode ser encontrado em David Bowie, não por acaso um nome que dá as caras em Wunderlust, assim como Cassiano, como toda uma leva de rock e metal progressivo (de Riverside a Porcupine Tree) e mesmo elementos de música afro-latina.
O resultado desse amalgamar de referências tão distintas e pouco óbvias é positivo. Em partes, pela desenvoltura da banda, que se joga nas dez faixas que integram Wunderlust com uma energia cativante; em partes, pela belíssima produção do álbum, que aglutinou diferentes informações sem gerar ruído ou cacofonia. As influências se cruzam e descruzam no disco de forma tão homogênea que é impossível imaginar que neste caldeirão há um integrante recente: Fernando Vallim assumiu uma das guitarras como se em espírito sempre a estivesse empunhando.
Em situações convencionais, provavelmente seria recomendado a qualquer grupo um intervalo maior entre seus lançamentos. Porém, tamanha prolificidade acompanhada de qualidade não é digna apenas de palmas, mas de ser ouvida por um público ávido por consumir música boa. Canções bem feitas sempre resistem à efemeridade dos tempos modernos. Acredito que não será diferente com Wunderlust – tal como foi com Gypsy Solution, Stolen Byrds e 2019.