A Tuyo, trio paranaense formado pelas irmãs Lay e Lio e por Jean, tem um séquito de devotos que os acompanha desde os tempos de Simonami (quiçá até anterior) e que foi amplificado, obviamente, pela presença da dupla de irmãs no talent show da Rede Globo, The Voice Brasil, em 2016. É quase improvável imaginar que ao se defrontar com a sonoridade do trio (mezzo londrinense, mezzo curitibano) o ouvinte já não tenha a mínima ciência do que lhe espera. Contudo, essa equação vem ganhando novos contornos desde Pra Doer, o EP lançado pelo grupo em 2017.
O conjunto de informações que dão roupagem à banda vem passando, sistematicamente, por mudanças nos últimos anos. Ao que tudo indica, parece menos se tratar de reflexo direto do tempo enquanto elemento de amadurecimento sonoro (algo bastante comum aos artistas que ganham quilômetros de estrada) e mais como a tomada de coragem para expor as diferentes nuances que compõem os elementos que integram a Tuyo. Independente se um ou outro (ou até mesmo ambos), é fato que a musicalidade do trio ganhou contornos mais amplos que o folk ou o lo-fi pelos quais uma boa parcela da audiência foi cativada.
Entretanto, é inegável que Pra Curar, disco completo lançado em novembro último, carrega o DNA da trupe. Porém, a escrita parece ter sido outro elemento aprimorado com o passar do tempo. Não se trata (até porque não parece ser este o caso aqui) de busca por um refinamento necessariamente estético. As composições trazem vozes mais maduras, contudo dentro do tratamento lírico habitual do grupo. Não haveria nem como ser diferente, posto como uma sequência explícita do EP do ano anterior.
A melancolia costurada pela Tuyo sempre encontrou eco nos timbres de Lay e Lio, que organizam tessituras recorrendo a ingredientes cada vez mais eletrônicos – o que não chega a ser novidade, mas que é bem aproveitado aqui, como outros excelentes discos recentes o fizeram: Duda Beat, Luiza Lian, Mahmundi, só para ficar nos mais claros. Todavia, não há tentativa de emular fórmulas, até mesmo pela característica muito peculiar da voz das garotas: não se finge dor. Sendo assim, o eu-lírico de Pra Curar só podia estar em consonância com as batidas das canções.
No disco, questiona-se a vida adulta e suas diferentes camadas, partindo da pressão exercida pela sociedade frente à idade avançada e a teórica capacidade de enfrentar os problemas impostos pela maturidade.
E neste quesito fica ainda mais evidente como se costuraram estes conjuntos de partes individuais para resultar nesta obra de realidade tão própria. As batidas trazem suas próprias lacunas, uma espécie de ausência tão desoladora quanto a que cantam em “Terminal”. A ausência de parâmetros parece ditar o tom desta tristeza. No disco, questiona-se a vida adulta e suas diferentes camadas, partindo da pressão exercida pela sociedade frente à idade avançada e a teórica capacidade de enfrentar os problemas impostos pela maturidade. Simultaneamente, coloca como saída o enfrentamento maquiado, o disfarce, a máscara, a atuação como contorno a este cenário.
Concomitantemente, ainda, o eu-lírico transita pelo niilismo, carregado de notas (e comentários) blasé acerca da vida e das relações sociais, aqui expressas sob diferentes perspectivas, ainda que não de modo explícito. Há um duelo interno no que concerne ao enfrentamento dos sentimentos para com o outro. Ao passo que deseja ver-se forte para viver, parece incapaz de desvencilhar-se do aprisionamento causado por um sentimento, cada vez mais claro, pouco parecido com o amor, tangenciando uma espécie de obsessão (“Cuidado”). Ainda que expresso como um amor incorrigível, é possível enxergá-lo sob a ótica do luto e a passagens sobre suas diferentes fases, especialmente a negação, a barganha e a depressão.
A imagem do tráfego pelo luto parece ficar mais clara no transcorrer das canções. Esse processo de cura, que dá nome ao disco, também parece uma espécie de expurgar de dores. Uma necessidade latente de tornar esse processo real pela verbalização da tempestade de sensações que toma conta da mente e do coração, num processo em que razão e emoção precisam encontrar uma forma de virem à tona de forma coesa até o momento de reestabelecimento da energia e da força que possam impulsionar adiante.
Deste modo até meio discreto, o trio paranaense fez de Pra Curar um dos melhores discos locais de 2018, e definitivamente os colocou no radar do cenário independente nacional. Que se lembrem sempre que dos limões da vida se faz limonada.