Censura a espetáculos. Um performer curitibano preso durante apresentação de performance em Brasília. Deputado elabora projeto de lei que visa ditar quais espetáculos artísticos, incluídos shows musicais, podem ou não se apresentar no país. Parece 64, cheira a 64, se constrói como 64, mas é 2017.
Este espaço poderia contar com qualquer outro artista, mas no dia de hoje consideramos que era importante falar de uma que entende que a música transcende o entretenimento e é uma das formas mais diretas de comunicação.
Durante os anos de chumbo, a música popular brasileira foi tratada como um ser nocivo pelos militares, que consideravam a arte capaz de fazer mal à população. Para os ditadores brasileiros, elas eram ofensivas às leis, à moral e aos costumes. Xênia França, a voz feminina ímpar da Aláfia, acaba de lançar seu primeiro disco solo, o potente Xenia. Xênia é a artista que esta coluna precisava abordar hoje – e sempre.
Não há sociedade que saia incólume da voz e do que diz uma artista com a sua pujança.
Nascida no Recôncavo Baiano, no município de Candeias, lá se vão cerca de 13 anos que a cantora vive em São Paulo. Para Xênia, o papel do artista é se posicionar, protestar. Suas armas, além das letras diretas e da voz afiada, referências à cultura negra, da estética à sonoridade. Em entrevista à revista TPM, no ano de 2015, fez questão de frisar como cantar suas origens foi (e seguem sendo) uma forma de fortalecer sua identidade. “Sou mulher negra, nascida e criada na Bahia, onde aprendi a exaltar a minha negritude e a superar os obstáculos que a sociedade impõe. Foi ouvindo Ilê Ayê e Olodum que entendi que ser negra é maravilhoso, que temos que sentir orgulho e andar de cabeça erguida”.
Lançado na reta final de setembro, Xenia transita por diferentes gêneros musicais, tendo todos eles as raízes negras como ponto em comum. Jazz, samba-rock, yorubá e R&B se encontram na voz da Xênia França. Como poucas na música contemporânea brasileira, a baiana pinça a brasilidade de Olodum, Ilê Ayê, Gil e Margareth Menezes e as joga num caldeirão no qual Michael Jackson é sua principal referência, incluindo sua estética, mas onde também encontramos Ella Fitzgerald e Miles Davis, por exemplo.
No álbum, Xênia demonstra uma forte sensibilidade para tratar racismo e identidade negra. As 13 canções contam com composições suas (“Perfeita pra Você”, “Miragem” e “Pra que Me Chamas?”) e de colegas de longa data, além do mestre Chico César. Ele é uma avenida longa que conecta todas as idiossincrasias que melhor representam esta filha de Candeias que desbrava a selva de pedra paulistana.
Para a VICE, Xênia afirmou: “A voz para a pessoa negra é uma ferramenta muito poderosa. E Xenia [o disco] é um ensaio sobre ter voz.” E se precisamos reafirmar o poder desta voz nestes tempos que tanto recordam um passado que não devia existir, mas já que existe deveria ter servido de lição, Xênia França é dessas que tomam à frente e nos fazem crer, ainda, no poder de transformação da música. Não há sociedade que saia incólume da voz e do que diz uma artista com a sua pujança. Longa vida à fortaleza sonora que Xenia proporciona.
NO RADAR | Xênia França
Onde: São Paulo, São Paulo.
Quando: 2017 (carreira solo).
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