Bloodline nunca foi uma série muito popular dentro do catálogo da Netflix, mas ganhou o carinho da crítica ao longo dos anos. Dos mesmos criadores da ótima Damages, a produção sempre mirou num público mais adulto e paciente, em uma história que exigia atenção aos detalhes e um envolvimento com um texto pesado. Entretanto, Bloodline, também, nunca foi feita para durar muito tempo, correndo o risco de se transformar em uma novela ruim.
Na primeira temporada, vimos como uma família de prestígio numa comunidade da Flórida chegou ao ponto de cometer um assassinato. No segundo e ótimo ano, assistimos ao esforço dos Rayburn para manter o sobrenome intacto. Agora, na terceira e última temporada, vemos a família lidando com as consequências de tudo isso. Mas, se antes a metáfora era a de um lugar paradisíaco que escondia uma podridão sem fim, este ano a série caminhou por ambientes nada límpidos, em um trama pesada que, infelizmente, perde impacto quando chega à sua conclusão, o que prova que a história acabou na hora certa.
A terceira temporada de Bloodline começa exatamente após os últimos acontecimentos vistos no final do ano anterior, com Kevin (Norbert Leo Butz) assassinando Marco Díaz (Enrique Murciano), o detetive que planejava expor toda a família — Meg (Linda Cardellini), John (Kyle Chandler) e o próprio Kevin — pelo assassinato de Danny (Bem Meldelsohn). Imediatamente, a família começa a mexer os pauzinhos para livrar Kevin da acusação de homicídio, quando até mesmo a matriarca Sally (Sissy Spacek) pede ajuda para o perigoso Roy (Beau Bridges), um poderoso empresário e traficante de drogas.
É impressionante o talento dos autores Todd A. Kessler, Glenn Kessler e Daniel Zelman em criar uma trama extremamente tensa, sempre montando um quebra-cabeças absurdo e que vai complicando a cada peça montada.
Neste ano, a série conseguiu uma linearidade interessante em todos os arcos oferecidos ao público, dividindo a história em várias camadas e dando a devida atenção a cada membro da família. Se antes o personagem mais complexo era John, agora Meg, Kevin e Sally ganham muito mais tempo para mostrar toda a depressão causada pelas péssimas escolhas feitas no passado.
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E, diferentemente de Breaking Bad, por exemplo, em que conseguíamos até compreender as ações do personagem para manter a família, esta temporada de Bloodline manda para o espaço a ideia de que eles são pessoas boas, quando todos se mostram extremamente egoístas e dissimulados. Há diversas chances, durante a temporada, para que eles façam o que é certo, mas a reputação fala mais alto. Desta forma, os primeiros episódios são eficientes ao mostrar o lado sombrio da família quando todos precisam lidar com as consequências dos atos de Kevin.
Neste ano, a série conseguiu uma linearidade interessante em todos os arcos oferecidos ao público.
A série também opta por um thriller de tribunal interessante quando somos obrigados a compactuar com toda a mentira daquelas pessoas para prejudicar um inocente. São nos episódios focados no julgamento de um personagem que Bloodline consegue amarrar suas pontas muito bem e dialogar com a primeira temporada, mostrando ao público como aquela família se tornou tão sórdida e triste. É neste plot que a série também dá oportunidade para personagem secundários brilharem, como os irmãos O’Bannons, Chelsea (Chloe Sevigny) e Eric (Jamie McShane).
É interessante perceber como os dois acabam desempenhando a defesa não apenas deles próprios, mas de Danny, tentando preservar sua memória contando a verdade. É nesse momento também que Bloodline se apresenta como um suspense psicológico denso, fazendo a audiência sentir uma dualidade por aqueles personagens e se perguntar a todo momento: o que eu faria se estivesse no lugar deles?
Mas mesmo que todos ganhem espaço na tela, novamente, Kyle Chandler se destaca. Com um personagem cada vez mais perturbado e reprimido, o ator alcança um nível de atuação acima da média dos outros anos, carregando sempre um olhar exausto e uma linguagem corporal tensa. A série ainda reserva espaço para entrarmos na mente de John e acessar todos os receios, o que garante ótimos momentos para o ator brilhar.
Infelizmente, mesmo com todos esses acertos, algumas escolhas criativas não deram muito certo, especialmente durante os três últimos episódios. Há uma tentativa louvável de terminar Bloodline de uma forma um tanto poética e impactante, focando em um John mais intimista, mas o problema é que nada daquilo soa certo, porque aquela linguagem nunca havia sido apresentada ao público.
Assumindo ares lúdicos — em alguns momentos até sobrenaturais —, Bloodline perde muito tempo com alucinações que servem para trazer personagem de volta e concluir a narrativa, mas que enfraquecem o seu final, em uma série que sempre foi bastante forte de se assistir, seja pelo tema ou pelo ritmo.
Há, também, algumas falhas grotescas no roteiro, como a quantidade de ligações que os integrantes da família fazem enquanto estão sendo investigados, o que facilmente provaria toda a culpa daquelas pessoas, ou a falta de cuidado com personagens que surgiram nas temporada passadas, como Ozzy (John Leguizano), que não chega a lugar algum na narrativa e ainda aparece com um enredo forçado, que não ganha a menor explicação no final. Por isso, a produção encerra sua história de maneira monótona e um pouco maçante, algo que não faz jus a um roteiro tão bem escrito nos últimos três anos. Mesmo assim, Bloodline já pode ser considerada uma das grandes séries da Netflix, seja pelo seu ótimo roteiro, suas atuações intensas ou pela atmosfera sufocante.
Em meio a séries que reciclam conceitos vistos em outros shows, Bloodline traçou um caminho original sem jamais subestimar a paciência do público. Quem acompanhou os Rayburn ao longo dos anos pode não ter sido recompensado na hora da conclusão, mas certamente aproveitou a trajetória.