À primeira vista, o enredo do romance Não Fossem as Sílabas do Sábado, de Mariana Salomão Carrara, pode parecer “inventivo” demais, até inverossímil. O livro fala sobre duas mulheres que se unem por um fato que beira o tragicômico: um homem, ao se jogar de um prédio, acaba matando outro que estava parado no térreo. Dali nascem duas viúvas cujas vidas se entrelaçarão nos próximos anos.
Cabia então à dramaturga Liana Ferraz, ao lado de Carol Vidotti, idealizadora e atriz da peça, o desafio de trazer essa complexidade para os palcos teatrais, uma vez que esta é uma história que fala mais sobre os conflitos internos que envolvem as personagens do que externos. Ana (Carol) e Madalena (Fábia Mirassos) são, de alguma forma, o que sobrou uma para a outra.
São muitos “e ses” que precisaram acontecer para que as duas mulheres se tornassem amigas. Uma amizade que talvez possa ser chamada de desequilibrada, uma vez que Ana parece propensa a jogar seus sentimentos sobre Madalena, cujo suicídio do marido possibilitou que elas se encontrassem. Ainda que sob circunstâncias injustas, há algo de muito verdadeiro que nasce nessa relação.
Uma inusitada amizade entre mulheres
Dirigida por Joana Dória, a peça leva a trama de Mariana Salomão Carrara basicamente a um único cenário, o apartamento de Ana, onde ela e Madalena irão conviver por anos, entre idas e vindas cercadas pelo luto, pela culpa e sobretudo pelo não-dito. Contudo, o espetáculo trabalha justamente na perspectiva de que as palavras sejam vazias para solucionar os conflitos entre as duas: há como “perdoar” a esposa de um suicida cuja morte a tornou viúva? E o quanto Madalena deveria “pagar” por essa situação?
O espetáculo trabalha justamente na perspectiva de que as palavras sejam vazias para solucionar os conflitos entre as duas mulheres.
Obviamente, não há respostas, e esse aspecto aflitivo é levado ao teatro por meio de um cenário minimalista, em que o luto se transmuta no branco da decoração de um apartamento. As roupas claras de Ana combinam com o ambiente em que ela vive, mas contrastam com o vermelho sangue de Madalena, aquela que carrega para sempre uma responsabilidade que não é sua.
Ainda que algumas soluções pareçam excessivamente literais (como uma cena de parto com direito a choro de bebê no fundo), o trabalho com a luz e as projeções visuais são inspiradas para contemplar o lirismo contido no livro de Mariana Salomão Carrara. Mesmo que deva ser encarado como uma nova obra – ou melhor, uma transcriação – o espetáculo Não Fossem as Sílabas do Sábado se apresenta como uma bela tradução no palco de uma trama de peculiar sensibilidade.
SERVIÇO | Não Fossem as Sílabas do Sábado
Onde: Sesc Belenzinho ( R. Padre Adelino, 1000 – Belenzinho | São Paulo/SP);
Quando: até 4 de agosto – sextas e sábados, 20h30, e domingos, 18h30;
Quanto: de R$ 12 (credencial Sesc) a R$ 40 (inteira).
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