Um sujeito anda distraído quando o pior acontece: ele é assaltado. Empunhando uma arma, o ladrão, que usa “chinelão”, quer o seu sapato. Mesmo o sapato sendo feio, mesmo não servindo no seu pé, não importa: o sapato é o que simboliza o abismo entre os dois personagens, um condenado à marginalidade, e o outro preso na vida banal de vendedor de sapatos. Mas nenhum deles parece feliz.
Fechamento da Trilogia das Pessoas do célebre grupo teatral Os Satyros, Pessoas Brutas traz um leque de personagens presentes em qualquer cidade, mas que estão amarrados pela mediocridade de suas vidas.
Os que estão à margem do que se espera de um sujeito funcional na sociedade (como os dois homens encarceados; a moça que só se relaciona com presos; o casal que “convida” um terceiro para um ménage à trois) procuram algum respiro nas drogas e outros excessos.
O destaque da montagem também se dá por conta da estética cinzenta, remetendo à sujeira e à crueza das grandes cidades.
Já os que estão teoricamente adequados (a mulher que procura um namorado abusivo e acha que ele vai mudar; a secretária virgem que arrisca um relacionamento com um contador evangélico) também estão à procura de qualquer coisa que os faça sentir algo. Pode ser os remédios, e pode ser uma autoajuda fajuta.
Bastante contundente, o texto criado por Ivam Cabral e Rodolfo García Vásquez, os fundadores d’Os Satyros, é também divertido na crítica que faz às constantes crises éticas que assolam o país, provavelmente desde o descobrimento.
O senhor taxista, hilariamente paulistano (numa interpretação inspirada do ator Eduardo Chagas), presta serviços ao seu “amigo de infância”, um doleiro (que nunca aparece em cena) delatado em um esquema de rachadinha. Mas o idoso, que passou a vida inteira circulando pelas cidades, não consegue enxergar nada além da pessoa boa que lhe dá uma oportunidade e faz que possa finalmente ter uma vida melhor. Está errado?
O destaque da montagem também se dá por conta da estética cinzenta, remetendo à sujeira e à crueza das grandes cidades, especialmente São Paulo, e os figurinos e maquiagens dos atores, todos com os rostos embranquecidos e penteados remetendo ao movimento punk. Há uma continuidade entre essa brutalidade visual e a brutalidade do cotidiano de quem tenta, todos os dias, sobreviver – seja à pobreza, seja à falta de sentido na vida.
Mas mesmo com a miséria que acomete todos os dias os 90% das pessoas que trabalham para os outros (como diz um personagem em cena), ainda é possível dançar. A peça abre e fecha com um Carnaval um pouco triste, um pouco forçado, mas assim um Carnaval.
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