Talvez, alguns de nós já tenhamos experimentado a sensação do protagonista de Krum sugerida pelo início do espetáculo. A peça veio a Curitiba após dois anos da estreia e ficou duas semanas em cartaz no Guairinha.
Ao voltar de uma viagem, o rapaz, cujo nome dá título à obra, chega em casa com um discurso pronto a respeito de tudo que fará diferente. Teme voltar aos mesmos dilemas de antes, mas rapidamente se depara com esse lobo à espreita. O nada. Será que minha vida vai dar nisso? Nada.
Esse signo perpassa o personagem, que é o mais taciturno dos 11 que compõem a peça de Hanoch Levin. Daqueles textos que unem traços de comédia ao peso da existência; o drama contemporâneo (houve a tentação de “interpretar” as palavras a partir do referencial “autor israelense, anos 1970”, mas o aqui e agora servem tão bem quanto).
A ansiedade pela passagem do tempo e a contínua incapacidade de tomar as rédeas dos acontecimentos marca os personagens de Krum.
A montagem da Companhia Brasileira de Teatro reúne grandes atores. Cris Larin, Danilo Grangheia, Edson Rocha, Grace Passô, Inez Viana, Ranieri Gonzalez, Renata Sorrah, Rodrigo Bolzan e Rodrigo Ferrarini. Juntos, fazem um grande encontro, entre si e com a plateia, conectam-se por meio de sua entrega ao texto e ao projeto de encenação.
A narrativa é contada com recursos do melhor teatro. Passa pela iluminação, cenário, atuação incrível. Não que se pretenda aqui fazer um check-list de pormenores separados: trata-se apenas de uma visão particular do quão impactante o teatro pode ser, essa arte ao vivo nessa obra específica.
A ansiedade pela passagem do tempo e a contínua incapacidade de tomar as rédeas dos acontecimentos marca os personagens de Krum. Na narrativa que acompanhamos, passam-se alguns meses, num recorte da vida daqueles seres, que, obviamente, ecoa a nossa própria.
Assim como em Tchékhov, os grandes feitos da turma de amigos retratada no palco passam sem grandes sobressaltos. Acontecem vários casamentos, amores e separações, mas sem muito alarde. É um dia a mais. Isso vem depurado em gestos que podem chocar, a exemplo da passagem do véu de noiva de Inez para Renata, como se o padre gritasse “próximo! Quem está na fila para se iludir hoje?”
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Contando assim, pode dar a impressão de que assistimos a uma história de forma realista, mas não é o caso. Desde o início, o palco quase vazio e todo preto fornece uma moldura para a construção de “tableaux”, quadros que se formam com o corpo dos atores em cena, seja em movimento ou inertes. O diretor Marcio Abreu molda aglomerações, pirâmides humanas e duetos em que a luz e o som chicoteiam formando imagens que poderiam compor uma exposição fotográfica (por que não?).
Ainda em diálogo com outras linguagens artísticas, a montagem cita o cinema, na condição de encantamento. Aquilo a que assistimos embasbacados, algo que os personagens fazem com um filme, com a plateia e consigo mesmos. Show da vida, mas uma hora o filme acaba.
Fica atrás da orelha a pergunta: será que somente Krum (Danilo Grangheia) tem essa centelha a mais, esse desejo pelo irrealizável? Ele só não dá o passo dramático da partida, adiada sempre, talvez por saber que aonde vá levará seus problemas.
Além da construção visual apurada, a comicidade em torno das palavras e imagens criadas ajuda a aliviar a carga das palavras duras ditas um ao outro, como se todos fossem em algum momento bobos da corte, com autorização para dizer o que só se atura dos loucos.