Não há como sair incólume de Stabat Mater, espetáculo abrasivo e provocador concebido pela dramaturga e diretora paulista Janaína Leite, que fez nesta terça-feira sua primeira apresentação num Teatro Zé Maria Santos lotado, dentro da Mostra Lucia Camargo do Festival de Curitiba. A peça tem nova apresentação nesta quarta (29).
Inspirada livremente no poema homônimo de autoria desconhecida do século 13, que descreve a dor de Maria, mãe de Jesus, durante a crucificação, o espetáculo apresenta uma dramaturgia inventiva, surpreendente, que, por meio de performance e teatro físico, entre outras linguagens, aborda de forma não-linear a violência, o feminicídio e a dor das mulheres.
No centro de tudo, está Janaína (e seu corpo), criadora, atriz e personagem, que nos convida a mergulhar em sua subjetividade, numa narrativa fragmentária que atravessa experiências que a diretora teria vivido ao longo da vida, como sua relação problemática com o pai ausente, figura fantasmagórica em seus sonhos e desejos, um estupro sofrido no início da adolescência e a própria maternidade – ao longo da peça, assistimos, em uma tela, a um de seus partos.
Vencedora do Prêmio Shell de Melhor Dramaturgia e eleita o melhor espetáculo de 2019 pelos críticos do jornal Folha de S.Paulo, Stabat Mater também dialoga com a pornografia, mais precisamente com o cinema de sexo explícito.
O recurso do vídeo também é utilizado para exibir uma colagem de imagens extraídas de filmes de terror, nas quais mulheres são vítimas em abordagens quase sempre misóginas e punitivas em relação ao desejo feminino. Nesses slasher movies, em contrapartida, exalta-se a pureza da virgindade, o que volta a conectar o espetáculo ao mito bíblico da concepção imaculada de Maria, que, como já foi dito neste texto, está na origem da montagem.
Janaína ousa ao trazer ao palco a própria mãe, que não é atriz, mas tem total envolvimento com as dores das quais a peça trata, muitas delas da filha, outras dela mesma, em um jogo especular.
Vencedora do Prêmio Shell de Melhor Dramaturgia e eleita o melhor espetáculo de 2019 pelos críticos do jornal Folha de São Paulo, Stabat Mater também dialoga com a pornografia, mais precisamente com o cinema de sexo explícito. Para isso, Janaína fez uma seleção, durante o processo de concepção do espetáculo, para a escolha de um ator de filmes adultos com quem iria contracenar em cenas de sexo registradas em vídeo, dirigidas por sua mãe, e que também integram o espetáculo, que tem um poder de choque imenso. Tanto que, em São Paulo, muitos teatros hesitaram em exibir a peça.
Janaína Leite é cofundadora do Grupo XIX de Teatro, que ela lidera desde 2001. Ao longo de sua carreira, dirigiu e escreveu várias montagens, incluindo Conversas com o Pai, Hysteria e Sínthia. A abordagem de Janaína envolve o uso de elementos físicos e visuais em suas encenações, além de forte ênfase na colaboração e cocriação.
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