O Profissão Repórter retornou à grade da TV Globo nesta semana e permanece como um grande acerto na programação jornalística da emissora. Com um certo esvaziamento da prática de reportagens de denúncia em outros programas (como o Globo Repórter, por exemplo, que nos últimos anos tem se direcionado às pautas de turismo e da legitimação de um ideal de “vida simples”), tem restado ao Profissão Repórter o enfrentamento dos temas mais áridos ou delicados, como o vício no crack, a vida dos moradores de rua ou a realidade de uma enfermaria que provêm cuidados àqueles que sabem que vão morrer.
No ar como atração semanal desde 2008 (foi “testado” como quadro do Fantástico e posteriormente transformado em programa), o Profissão Repórter é comandado pelo premiado repórter Caco Barcellos e revela um formato bastante atraente a boa parte dos espectadores: o de expor a “cozinha” na qual a comida é preparada (a reportagem em todos os seus dilemas) para posteriormente ser servida para um público que, por vezes, não faz ideia dos caminhos trilhados para que ela chegasse até ali. Sua premissa é de exibir, em alguma medida, o processo de produção jornalística, algo que normalmente seria escondido dele.
Com exceção de Barcellos – que assume aqui um papel de professor, mesmo que também atue como repórter – todos são “focas”, ou seja, jovens jornalistas ainda em formação e que se debatem o tempo todo com a própria inexperiência. É comum durante os episódios de Profissão Repórter que os repórteres sejam enfocados sem que saibam muito o que fazer ou que fiquem em saia justa com os entrevistados. Em um programa sobre transexualidade, por exemplo, uma repórter perguntou a um entrevistado qual seu nome de registro, e prontamente recebeu a resposta de que esta é uma pergunta que não se deve fazer a uma pessoa como ele.
Ao contrário do que poderia parecer, esta estratégia de exposição da inexperiência e ingenuidade dos profissionais não enfraquece o programa, mas possibilita justamente o sucesso do formato.
É bom sempre lembrar que estes momentos (que não ocorrem apenas com os novatos: na edição sobre transexualidade, Caco Barcellos, ao entrevistar Laerte, que conhece de longa data, demonstra certo constrangimento antes da entrevista por não saber se deveria abordá-lo no feminino ou no masculino) poderiam muito bem ser cortados, mas a exibição das “sobras” do processo, que denotam o certo amadorismo dos profissionais, é de fato a cereja do bolo de Profissão Repórter. Ao contrário do que poderia parecer, esta estratégia de exposição da inexperiência e ingenuidade dos profissionais não enfraquece o programa, mas possibilita justamente o sucesso do formato, pois torna os jornalistas envolvidos mais humanos e próximos dos espectadores (tema já abordado por esta coluna anteriormente).
Na edição exibida no retorno do programa, aborda-se uma pauta muito bem sacada: a partir do dado de que o Brasil é campeão mundial de cirurgias plásticas, os repórteres se propõem a investigar a popularização desta prática nas classes C e D e a consolidação de um comércio popular de cirurgias (o que envolve clínicas que custeiam as plásticas em 24 vezes no cartão de crédito, mulheres que viajam dois dias até a Bolívia para gastar menos e o sistema das “bombadeiras”, travestis que se especializam na aplicação ilegal de silicone industrial no corpo de outras). Como nos anos anteriores, os repórteres se confrontam com dilemas, que envolvem desde questões éticas (pagar ou não um entrevistado essencial para que fale à reportagem, mostrar ou não mostrar uma imagem forte, por exemplo) a procedimentos técnicos típicos da profissão (como entrevistar, o que perguntar, como segurar a câmera e o microfone, etc.).
Pensaria que, afinal, é nesta exposição das “entranhas” do jornalismo que Profissão Repórter adquire sua força: possibilita ao espectador assíduo uma espécie de aprendizado sobre o fazer jornalístico e sobre o que deveria esperar (e cobrar) dos demais programas que assiste. No programa sobre cirurgias plásticas, há uma série de situações que reiteram a linha tênue entre informar (por exemplo, mostrar os riscos de se colocar nas mãos de qualquer suposto profissional sem verificar suas referências) e provocar o sensacionalismo (exibir imagens fortes que talvez excedam o limite da informação e sirvam apenas para chocar).
Este conflito é exposto diversas vezes no programa: os jovens repórteres encontram entrevistados que acabaram sofrendo deformações ao serem operados por falsos médicos e que se dispõem a exibir suas chagas às câmeras. Precisam então tomar decisões rápidas: o que é mais importante, exibir o rosto do entrevistado e dar uma cara à pessoa que sofre (e, por outro lado, talvez colaborar para que esta pessoa continue sofrendo ao ser identificada em sua comunidade) ou mostrar a ferida que restou de uma cirurgia mal feita (e correr o risco de ser apenas sensacionalista)? Ao se gravar uma entrevista com alguém sob efeito do crack, o jornalismo pode aproximar a população à realidade crua de quem perdeu tudo em razão do vício ou ajuda a enterrar ainda mais a pessoa no estigma do drogado? Como mediador, Caco Barcellos oferece sua vasta experiência e também as limitações de quem sabe que não carrega verdades absolutas: diversas vezes, ele não diz o que o repórter deve fazer, mas fala coisas como “eu faria assim” ou “concordo 100% com você”.
Sem dúvida, há um grande aprendizado para o público cativo de Profissão Repórter que aceita se confrontar com estas questões, que são (ou pelo menos deveriam ser) constantes na rotina de todo profissional. Ainda que o programa possa promover uma certa idealização do jornalismo – visto que pode fazer acreditar que todas as cozinhas são tão limpas ou corretas como a de Caco Barcellos -, é de se esperar que o formato inspire reflexões tanto ao público quanto aos jornalistas.
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