Roger Abdelmassih, especialista em reprodução humana, foi condenado por 56 condutas de abuso sexual em pacientes mulheres. Uma definição mais elegante para dizer estupro. Em 2009, o médico começou a ser acusado de violentar sexualmente suas pacientes enquanto elas estavam sob efeitos de sedativos. Abdelmassih foi condenado a 278 anos de prisão por 52 estupros e quatro tentativas de estupro a 39 mulheres.
A tenebrosa história agora é tema da série Assédio, produção exclusiva para assinantes da Globoplay, mas que logo deve ser exibida na TV aberta pela Rede Globo. Criada por Maria Camargo, dirigida por Amora Mautner e inspirada no livro A Clínica – A Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih, de Vicente Vilardaga, a série serve para dar voz às histórias pesadas que ocorriam dentro daquela clínica. Embora o médico tenha sido condenado e os fatos tenham vindo a público, o resultado final, na vida real, é amargo, tal como a experiência televisiva. Não há espaço para doçura nos dez episódios, apenas um fio de esperança.
‘Assédio’ não termina com um final feliz, mas precisa ser assistida e discutida dentro das nossas casas.
Na série, com a ajuda da jornalista Mira (Elisa Volpatto), um grupo de mulheres se une para denunciar os abusos sexuais que sofreram por parte de Roger Sadala (Antonio Calloni), especialista em medicina reprodutiva e famoso na alta sociedade. Tudo começa quando uma dessas mulheres rompe o silêncio em uma rede social, incentivando as outras vítimas a construírem uma rede de apoio mútuo com sede de justiça.
Sempre com um clima opressor, a direção de Amora Mautner consegue deixar o telespectador tenso mesmo em situações mais leves, como a relação entre aquelas mulheres e seus maridos. Tudo sugere uma certa violência, abuso, um incômodo que chega ao ápice quando somos obrigados a presenciar, de fato, a violência que o médico fazia contra suas pacientes.
Ao não optar por subtrair as cenas de abuso, Assédio tenta emular para o público a vulnerabilidade daquelas mulheres. Com diálogos pouco didáticos, Assédio pede para que a audiência, tanto feminina quanto masculina, se coloque no lugar daquelas vítimas. Outro acerto é não facilitar a luta das mulheres. Tudo é difícil, quase ninguém acredita nelas e as personagens precisam primeiro enfrentar o próprio medo de se expor.
O fato da série ter sido escrita e dirigida por mulheres parece ser bastante perceptível. Com cenas sutis, mas que mostram muito mais do que diálogos, todas aquelas vítimas transmitem o trauma e o nojo por meio de gestos bastante comoventes, como um grito contido, uma dificuldade de contar o que houve ou através da forma como elas não conseguem mais se sentir confortáveis em suas próprias peles.
Com atuações inspiradas, especialmente as de Adriana Esteves e de Jéssica Ellen, Assédio é uma série sobre a força e a coragem daquelas que clamaram por justiça. Por meio de um texto forte e decisões criativas ousadas para este tipo de narrativa, Assédio não termina com um final feliz, mas precisa ser assistida e discutida dentro das nossas casas, especialmente nesses tempos sombrios.
Roger Abdelmassih ficou menos de três anos na prisão. Atualmente, vive em prisão domiciliar em um condomínio de classe alta, em São Paulo.