Ultimamente, venho assistindo um bom número de documentários sobre a 2ª Guerra Mundial e sobre o Estado nazista. Pode ser pura coincidência, ou talvez o fato de eu ser judeu me faz ter um interesse pessoal no assunto. De uma forma ou de outra, é bom que todos assistam esses documentários, não apenas para manter a tragédia na memória, mas também para entendermos a sequência de eventos que produziu o nacionalismo radical e levou a uma guerra que matou 55 milhões de pessoas ao redor do mundo; nacionalismo radical cujas sementes, infelizmente, ainda podem ser vistas atualmente.
Entre os diversos assuntos dentro da 2ª Guerra Mundial, um deles me chama particularmente a atenção: os campos de concentração. Embora campos de concentração já tivessem sido usados por espanhóis, americanos e britânicos desde o fim do século XIX como um método de terror contra rebeldes e insurgentes, nenhum desses alcançou a escala em massa do que foi o Holocausto. Muitas vezes, porém, o Holocausto é uma informação complexa demais que muitos programas de TV falham em expressar, recorrendo a dramatizações exageradas que não oferecem nada além de emoções e fatos óbvios. Mas hoje irei falar de um documentário que foge desse caminho: Auschwitz: Os Nazistas e a “Solução Final”.
Escrito e dirigido por Laurence Rees para a BBC em 2005 – considerado por muitos como um dos melhores anos do canal, com séries como Roma e a versão moderna de Doctor Who -, Auschwitz é até hoje um dos melhores e mais chocantes documentários britânicos sobre a 2ª Guerra Mundial, usando a história do mais infame campo de concentração para não apenas relatar de forma compreensiva como era a vida lá, mas também fazer uma análise profunda dos eventos do Holocausto.
Ao longo de seis episódios, a série utiliza uma quantidade até então inimaginável de documentos históricos – muitos dos quais só vieram à tona com a abertura de arquivos após o fim do bloco comunista no leste europeu – para contar a história de Auschwitz, desde sua criação como um centro de detenção de prisioneiros políticos em 1940, passando pela sua expansão de tal forma a se tornar um campo de extermínio, até sua eventual libertação por tropas soviéticas, mostrando também os julgamentos de Nuremberg e o destino das várias figuras-chave que passaram por lá.
Auschwitz é até hoje um dos melhores e mais chocantes documentários britânicos sobre a 2ª Guerra Mundial.
Quatro são os pilares nos quais a série se sustenta para contar essa história. Primeiro temos efeitos especiais computadorizados da melhor qualidade possível na época para recriar as partes de Auschwitz que foram destruídas durante a guerra. Depois, temos imagens reais de arquivos, algumas das quais foram aqui exibidas pela primeira vez na televisão. Há também reconstruções dramáticas com atores alemães, com diálogos retirados fielmente de transcrições e registros de encontros a portas fechadas e outros episódios que definiram a história do campo de concentração. E, por fim, há as entrevistas com testemunhas oculares, não apenas de sobreviventes de todos os grupos que foram aprisionados e exterminados em Auschwitz – judeus, ciganos, prisioneiros políticos poloneses e prisioneiros de guerra soviéticos -, mas também de guardas e membros da SS que lá trabalharam, e que são de uma desconcertante sinceridade ao falar de suas atitudes.
Combinando tudo isso, temos uma minissérie que apresenta os campos de concentração com um poderoso realismo, que explica com clareza ao público como eles se pareciam e operavam. Mais do que isso, temos um documentário surpreendentemente maduro, que se legitima ao mostrar todos os lados no mesmo nível, de forma simples, paciente e, justamente por isso, necessária e eficientemente impactante.
Na pesquisa, nas entrevistas, na produção, Auschwitz é impecável, e de tal forma cativante que mesmo o espectador mais ignorante do que foi o Holocausto é capaz de, após assisti-lo, compreender o horror humano que ele foi. Seu padrão está mais próximo de livros de história consagrados do que de outras séries televisivas sobre o assunto – e mesmo nesse caso, a forma como usa o meio audiovisual o torna superior a muitos.
Como resultado, temos um documentário incisivo, que não omite nenhum detalhe, nem se esquece de nenhum dos envolvidos na Solução Final nazista: sejam algozes ou vítimas, sejam nazistas ou judeus, alemães, franceses, britânicos, poloneses, eslovacos, húngaros, russos, ciganos, sejam aqueles que não suportam o fardo do que passaram ou aqueles que não demonstram qualquer arrependimento de seus atos, todos conseguem se unir em cima de um mesmo ponto, o de não permitir que o que aconteceu seja esquecido, não permitir que alguém negue que aquilo existiu.