A edição 2015 do programa Big Brother Brasil tem levantado questões interessantes. Algumas delas, talvez, apontem a uma certa ignorância que a produção do programa tem do público que o acompanha há mais de uma década e que, assim como os próprios participantes, já revela dominar as tão citadas regras do jogo – como a formação de casais como estratégia de sobrevivência na casa e a tendência que os BBBs têm de destacar sua história triste. O didatismo da edição, já apontado pelo crítico Mauricio Stycer (leia aqui), parece às vezes menosprezar os espectadores com uma narrativa desgastada. A insistência nos dramas destacados pela edição, como o complicado triângulo amoroso formado por Fernando, Amanda e Aline, forçosamente melodramático, revela menos atenção a episódios mais interessantes.
É o que se insinua na reação que os brothers demonstraram durante todo o programa à postura do paranaense Cézar, cujas análises dos críticos televisivos apontam ser o provável vencedor da edição (leia mais aqui). Cézar, que se posicionou como neutro em quase todas as tramas da casa, passou a ser questionado por estar, aparentemente, forçando encaixar-se em um papel que já teria funcionado em outras edições.
Irritada, a participante Angélica questionou em uma das provas do líder seu papel de “coitadinho” e sua facilidade para contar a própria história de dificuldades no interior do Paraná. Sua crítica aponta ao claro domínio que todos ali já têm da “gramática” do BBB e da tendência a tentar encaixar-se nos papéis que já deram certo – a figura abrasileirada do caubói, do homem rural transferido e algo perdido pela cidade, já foi personificada em pelo menos quatro outras edições do programa. Não por acaso, Cézar já foi flagrado conversando com estátuas colocadas na área aberta da casa, cena que remete à relação de Kleber Bam Bam com a boneca Maria Eugênia na primeira edição.
Com o domínio da gramática do BBB, o próprio formato do programa aponta a uma dificuldade no cumprimento da sua premissa mais essencial: o esquecimento da câmera e a revelação dos sentimentos mais genuínos.
Ser a si mesmo – tanto na experiência de BBB quanto na “vida lá fora” – é trabalho árduo e necessita também de sutileza e de limites. Esta dúvida sobre a espontaneidade do personagem representado por Cézar, por exemplo, chegou a ser tema de conversa entre Mariza e Adrilles, que expressaram desconfiança quanto a sua brejeirice: de tão simplório, o paranaense levantaria dúvidas sobre a autenticidade de sua simplicidade.
A discussão é interessante e, creio, faz parte do próprio modus operandi do programa, entendido como um jogo em que nós, o público, precisamos desvendar pelo que vemos os “níveis” de sinceridade no papel representado por cada um dos participantes. É possível sim que mesmo os “erros” da apresentação de Cézar – sua fala apatetada, que mistura jargões cifrados do Direito com o tom cativante do homem do campo; o choro que relembra as adversidades do passado, como o fato de ter ficado tantas semanas no grupo que só come arroz, feijão e ovo – também possam ser vistos como uma performance já explorada com exaustão em outras edições. O próprio anúncio na campanha publicitária do programa de que este seria um Big Brother com pessoas “mais reais” já declara um desgaste das fórmulas e a necessidade da busca de personagens menos reconhecíveis.
Com o domínio da gramática do BBB, o formato do programa aponta a uma dificuldade no cumprimento da sua premissa mais essencial: o esquecimento da câmera e a revelação dos sentimentos mais genuínos. É possível que o legado do BBB 15, no fim das contas, seja este: nunca foi tão difícil ser a “si mesmo”.
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