Fim de semana com grandes novidades dentro da novela televisiva envolvendo a dança das cadeiras na Globo. Marcos Mion estreou no Caldeirão (antigo Caldeirão do Huck), assumindo o espaço de Luciano Huck, que foi para o domingo, para o antigo Domingão do Faustão. Bem costurado enquanto evento televisivo de vida própria, a ida de Marcos Mion para a Globo, como comentamos nessa coluna, era já bastante esperada, e girava em torno de uma dúvida: o que seria do anárquico Mion na maior emissora do Brasil? Seria ele agora “domesticado” para caber nos parâmetros globais?
É claro que só temos agora o primeiro programa, que não necessariamente estabelece o padrão aos demais. Mas a julgar pelo primeiro dia, as expectativas são boas. Marcos Mion chega à Globo parecendo executar o impossível: dar continuidade a um programa engessado, mantendo-se fiel à identidade que começou a construir desde o início de sua trajetória, na MTV.
Caldeirão versão Mion iniciou-se com um recurso criativo. O novo apresentador aparece, em várias cenas, deslumbrado pela sua contratação (o mote do deslumbre, aliás, foi uma estratégia de marketing interessante explorada continuamente por Mion e pela emissora, aquecendo o público para sua chegada). Aparece abraçado com sua família, e com algumas estrelas globais. Logo, num lance meio Inception, ele acorda: talvez tudo fosse um sonho. Temos, assim, o contraste entre o Mion superestrela e o Mion old school, gerado e maturado na MTV e as suas limitações técnicas. É esse sujeito, afinal, que o espectador quer ver.
Mas há outra leitura possível nesta abertura. A polaridade entre o Mion do sonho e o Mion real é, de certa forma, a oposição entre Marcos Mion e Luciano Huck. O criador do Caldeirão do Huck é o bom moço, o sujeito privilegiado que usa a sua boa situação na vida para ajudar os desfavorecidos. Na prática, isso sempre resvala para o assistencialismo e para a pecha de explorador dos pobres para seus próprios interesses – afinal, na TV, não existe almoço grátis.
É possível observar, nessa primeira parte do Caldeirão, um sutil tom de deboche, e um aviso: Marcos Mion não é Luciano Huck, nem tem os mesmos interesses (eleitoreiros, alguns diriam). Seu papel aqui não será fornecer uma comoção acessível, por meio de histórias tristes, viagens a lugares miseráveis e reconstituições das casas pobres em que algumas celebridades moraram. Mion chega, portanto, fiel à marca que construiu em suas décadas de carreira. Ele é o apresentador engraçado, com linguagem jovem, e capaz de criar um universo específico de entretenimento a partir de suas referências.
A boa notícia é que, mesmo que Marcos Mion assuma um programa já pronto, essa sua marca está lá, sempre presente.
A boa notícia é que, mesmo que Marcos Mion assuma um programa já pronto, essa sua marca está lá, sempre presente. No início do programa, já vemos o chroma-key mal feito em que Mion, conversando com sua produção, está na comentando vídeos antigos (e com a vantagem é que ele agora tem todo o histórico da Globo para tirar sarro). O recurso foi inventado por Mion ainda no Piores clipes do mundo, programa que ele apresentou na MTV e que rendeu frutos para seus programas na Record e, agora, na Globo. Ao invés do cavalo Pé de Pano, ele agora usa um novo brinquedo, com a bolinha platinada da emissora em versão de pelúcia.
Mas, como dissemos, é o Caldeirão. E a parte interessante aqui é que Marcos Mion conseguiu executar dois quadros – o “Tem ou não tem” e um quadro de competição musical, que parece uma mistura do “Ding Dong”, do Domingão do Faustão, e dos quadros do Qual é a música?, do SBT – com a sua marca. O “Tem ou não tem” (uma competição bem simples entre famílias, adaptação do americano Family Feud) foi repaginado. Ao invés das famílias de Huck, com suas histórias de sofrimento e superação, Mion recebeu duas estrelas opostas: a atriz Juliana Paes (que ganhou repercussão nos últimos meses por conta do vídeo que justificava sua falta de posicionamento político e que viralizou a expressão “delírios comunistas”) e o comediante Paulo Vieira (cuja boa parte da carreira se baseia justamente em compartilhar a realidade dos mais pobres).
Trocou-se, portanto, o assistencialismo pelo humor e a leveza que Marcos Mion costuma trazer em seus programas – o que não significa, é claro, que a emoção não aflore eventualmente, mas de forma espontânea, não calculada. As interações com Paulo Vieira, aliás, foram um deleite à parte. Paulo trouxe ao palco um presente de boas-vindas para Mion: uma caixa cheia de amuletos contra mau-olhado, já que, agora, o apresentador é global. Marca-se, assim, que ambos estão do mesmo lado: dois sujeitos que tinham tudo para não estar ali, mas estão, e isso representa muita coisa.
A má notícia, me parece, tem a ver com a própria estrutura do programa. Atrações como Caldeirão, Domingão, Programa da Eliana, ainda mantêm um ritmo lento, típico da TV tida como “tradicional”, mas que parece hoje algo datada. Em duas horas de Caldeirão, Mion apresentou apenas dois quadros, entre interações, piadas, quadros musicais que se repetiam (cada artista cantava duas músicas). Essa velocidade arrastada parece inadequada a um programa que, pela escolha do apresentador, quer dialogar com um público jovem, acostumado a dancinhas de 30 segundos em plataformas como Tik Tok.
Mas, apesar disso, a chegada leve de Marcos Mion é um sopro em dias difíceis – seja pelas notícias pesadas, seja pelos problemas no campo do entretenimento. O primeiro Caldeirão, aliás, se encerrou com as brincadeiras de Mion com o chroma-key. Uma delas, aliás, me chamou a atenção: quando o apresentador pede à produção uma capinha de celular com a foto de Ana Maria Braga, que é prontamente entregue a ele.
A capinha, cuja imagem reproduzimos aqui, é puro suco de Marcos Mion: tosca, (mal) recortada à mão, num improviso muito mais típico da MTV que da Globo – e, por isso, próxima a cada um de nós. Que tenhamos muito mais dessa simplicidade na carreira que Mion começa a construir na emissora.
O Domingão do Luciano Huck
Já no domingo, o “dono” do Caldeirão do Huck, Luciano Huck, finalmente estreou no Domingão do Faustão, agora só chamado de Domingão. O que se viu, nesse primeiro episódio, foi o mesmo que já víamos no sábado: um apresentador refinado, os mesmos quadros (“Quem quer ser um milionário” foi exibido) e o mesmo tom de propaganda eleitoral que Huck já mantinha nos últimos anos.
O único quadro original do Domingão, o divertidíssimo “Show dos Famosos“, teve tom meio protocolar e desanimado (Huck, por exemplo, diferente do que fazia Faustão, anunciava quais artistas estavam personificando quem, estragando parte da graça da atração). O tom de superprodução foi totalmente oposto ao improviso alegre de Marcos Mion. Até Luciano Huck merecia mais que isso.