A concepção da Rede Globo desde seu inicio é muito interessante. Sempre chama a atenção daquele que se dedica a observar a história da televisão brasileira e a perpetuação dessa como o veículo relevante que se tornou com o passar dos anos. Talvez o título de veículo de comunicação número 1 do país e segunda maior emissora do mundo se deve a uma coisa: disciplina.
Antes de José Bonifácio Oliveira Sobrinho, Joe Wallach e Walter Clark entrarem em ação, a televisão brasileira tinha um aspecto muito capenga e mambembe. As discussões para a criação de um espaço inteiramente dedicado a gerir uma emissora de televisão eram quase inexistentes e os artistas eram praticamente nômades. Em questão de semanas, um programa poderia estar na TV Excelsior e, não mais que de repente, já estava em outra estação. Apresentadores eram como peças valiosíssimas de um leilão.
Talvez isso explique a estratégia feroz que guiou o canal por anos: contratos de longa duração, trânsito de suas estrelas por outras emissoras proibido na grande maioria das vezes, aquele ator ou atriz que ousasse passar por outras emissoras ganhava um tempo na geladeira (salvo raras exceções, como Adriana Esteves, que protagonizou uma novela no SBT em 1996 e, no ano seguinte, protagonizava A Indomada) e uma programação com horário certo pra começar e terminar, disciplina digna de qualquer quartel naquele que ficou conhecido como “padrão Globo de qualidade”.
Funcionou. Por 40 anos, mas tal como os personagens de um de seus cartazes mais bem-sucedidos atualmente, a novela O Tempo Não Para, a missão da emissora foi se descongelar, após uma pesquisa realizada em 2013 com jovens, na qual era apontada como uma emissora “austera, rica e elegante que jamais mudava sua programação”, a necessidade de se atualizar para não perder terreno se tornou sufocante.
O que se vê hoje talvez faria a santíssima trindade que fez a Globo se tornar a potência que se tornou ranger os dentes todas as noites, mas é o que dá certo. E a ironia? As grandes estratégias que são aplicadas hoje, são aplicadas pelas outras emissoras há décadas. Não deixa de ser curioso pensar que as mesmas hoje são vistas como “golpe de mestre” e não mais “apelativas”.
O que se vê hoje talvez faria a santíssima trindade que fez a Globo se tornar a potência que se tornou ranger os dentes todas as noites, mas é o que dá certo.
Afinal, o batente de iniciar uma novela na terça-feira para que o seu último capítulo seja exibido na segunda ou dividir o espaço entre a novela seguinte e a anterior em até duas semanas foi muito usado pelo SBT, Record e até pela extinta TV Manchete. O mesmo pode se afirmar da estratégia usada para promover o aplicativo GloboPlay e a série The Good Doctor: dois episódios condensados em um telefilme que deu a Tela Quente seu melhor desempenho na audiência em 7 anos; com nova roupagem, a Globo faz algo que Silvio Santos fazia quando o SBT ainda era TVS.
Entretanto, o mais interessante dessa abertura foi o livre trânsito de artistas. Quando Larissa Manoela foi convidada a participar do Altas Horas, o programa obteve sua maior audiência em 18 anos. Algo semelhante acontecia com a banda Rouge, vetada por anos por ter sido formada em um reality show do SBT e, mais recentemente, com Maísa Silva, que deu uma entrevista para o combalido programa de Pedro Bial. A Globo parece ter se ligado que hoje esse livre trânsito parece ser um ótimo negócio para todos.
Se livrar de hábitos nunca será fácil, mas é louvável ver a posição assumida agora. Em um momento delicado como esse, ainda teria como mandar o Netflix, as discussões de internet e outros dados às favas, mas a negligência da desatualização tem um preço muito salgado e dessa dívida parece que eles querem se livrar. E quem se beneficia nisso tudo? O mercado. Afinal, o inimigo agora é outro e o grande prêmio (e maior beneficiado nessa história) não poderia ser ninguém menos que o público.