A Record conseguiu uma façanha bastante espetacular: o de estrear o programa mais constrangedor deste ano. Falo de Game dos clones, uma espécie de reality show de namoro na TV (formato que nós, brasileiros, parecemos adorar). Apresentado por Sabrina Sato – apresentadora carismática, mas que pena para achar o seu lugar ideal na TV – Game dos clones pena em todas as premissas: não é nem comovente, nem engraçado, nem divertido. Apenas vergonhoso.
A proposta do Game dos clones tem algo de sarcástica. Se hoje vivemos tempos de amores fugazes, em que os encontros amorosos se baseiam, em boa parte das vezes, em mil exigências e em descartes rápidos, por que então não aproveitar dessa ideia e oferecer às pessoas um “cardápio” fechado? Neste programa, portanto, um participante se vê em frente a um monte de “clones”: pessoas fisicamente bem parecidas entre si que passam por provas em busca de um troféu, que é conquistar (pelo menos durante o show) aquele pretendente. Explicando melhor, uma mulher monta seu “homem ideal”- digamos, um rapaz barbado, tatuado, com estilo meio coxinha, com olhos claros. Depois disso, a produção encontra sete caras dentro do mesmo estereótipo, vestidos exatamente com as mesmas roupas, para interagir com ela num episódio de quarenta minutos.
O mote do Game dos clones, dessa forma, é meio que escancarar a avacalhação do “mercado do namoro”: já que todos os pretendentes disponíveis por aí são meio que a mesma coisa, por que então não arranjar 7 pessoas iguais? Ou seja, não há qualquer possibilidade de diversidade nessa lógica – e a ideia de fundo é que só há alguma chance de match amoroso caso os sujeitos permaneçam dentro de suas bolhas. O fato de que isso pareça razoavelmente aceitável na televisão já revela bastante sobre nós.
O que leva sete mulheres ou sete homens se oferecem numa espécie de “açougue” em que são escolhidos por um possível date a partir de critérios, na maior parte das vezes, bastante fúteis?
Sempre achei os formatos de “namoro na TV” fascinantes porque se revelam uma espécie de metáfora dessa “selva” que são os movimentos amorosos de quem busca uma cara metade. Desde a época dos bailinhos do Silvio Santos (em que homens e mulheres passavam um programa todo se olhando por meio de um binóculo, para no final dançarem uma música do Julio Iglesias e responderem se era namoro ou amizade) até as dinâmicas mais saidinhas do Fica Comigo, na MTV, a verdade é que tem sempre um certo prazer obscuro em observar essa dança da conquista (que sempre envolve algum constrangimento) quando ela acontece com os outros.
Mais recentemente, a Band tentou um formato bastante gostoso de assistir, À primeira vista, programa que infelizmente não teve continuidade. O SBT segue exibindo o quadro “Xaveco”, que renderia verdadeiros estudos antropológicos sobre quem são os seres humanos que topam ser humilhados por Celso Portiolli ou se exibir em provas embaraçosas em troca de um beijo numa pessoa aleatória.
Game dos clones me parece mais próximo de outros reality shows baseados em premissas um tanto bizarras, como The Circle, versão nacional de uma franquia em que pessoas disputam um prêmio a partir de sua popularidade virtual. Ambos se aproximam por se tratarem de produções de aparência cara, sem muita transparência nos seus métodos. Por exemplo: em nenhum momento no Game dos clones, sabemos por que aquelas sete pessoas toparam estar ali, quais suas pretensões, se tiveram que passar por algum procedimento estético (pois é difícil imaginar que a produção tenha conseguido arranjar sete ruivas com o mesmo tom de cabelo).
Mas, de fato, o que é mais embaraçoso em Game dos clones é o fato que um programa desse seja exibido em plena 2020, época em que várias discussões já estão avançadas o suficiente para que certas questões pareçam quase inaceitáveis. O que leva sete mulheres ou sete homens se oferecem numa espécie de “açougue” em que são escolhidos por um possível date a partir de critérios, na maior parte das vezes, bastante fúteis? O quão importante é se expor dessa forma em troca de um pouquinho de visibilidade na Record ou no Amazon Prime (onde o programa também está disponível)?
Nem Sabrina Sato, com sua capacidade de ser exuberante e engraçada ao mesmo tempo, consegue salvar o Game dos clones, que repete a mesma fórmula em cada episódio, tornando o programa pouco surpreendente. Sabrina, certamente, merecia coisa melhor.