É sabido que os formatos de reality show tendem a ser bem recebidos pelos brasileiros. Parecemos irresistivelmente atraídos por estes “shows do real”, em que famosos e anônimos competem em alguma prova e oferecerem gotas de autenticidade que estamos sempre sedentos para experimentar.
Não por acaso, os canais se mostram igualmente sedentos para explorar suas atrações mais famosas, e criaram uma espécie de agenda dos espectadores: todo ano inicia com uma edição de Big Brother Brasil, se encerra com A Fazenda na Record, e no meio temos The Voice Brasil, Bake Off Brasil, Power Couple, dentre tantos outros.
Mas muitos críticos e espectadores têm sinalizado um possível esgotamento de tantos programas justamente pela repetição exaustiva deles – baseada, certamente, na capacidade que os programas têm de angariar anunciantes e gerar repercussão online.
No entanto, o público já demonstra certo cansaço das mesmas coisas: MasterChef A Revanche (edição especial do programa da Band reunindo participantes “famosos” nas edições anteriores) não gerou o resultado esperado, derrubando a audiência do canal; e A Fazenda 11, na Record, bateu todos os recordes negativos de índices de Ibope. No início do ano, a edição anual de Big Brother Brasil também tinha angariado resultados pífios.
Será que as emissoras estão conseguindo cansar seus espectadores cativos, aqueles que voltam todos os anos para acompanhar as mesmas coisas? Será que a ganância em lucrar em torno daquilo que deu certo (como muitos apontam, MasterChef Brasil está no ar na Band praticamente durante o ano todo) tem levado a um desgaste da audiência? Ou será que as emissoras são preguiçosas e simplesmente não querem arriscar em coisas novas? As hipóteses são muitas e tudo o que podemos fazer é conjecturas. Nesse sentido, listo aqui possíveis explicações que justificariam as “floppadas” a que assistimos durante este ano.
Isso significa que não aguentaremos mais novas edições desses programas? Obviamente, esta não é uma equação simples, que nem de longe se esgota numa resposta ou numa solução a esses realities.
– Primeiro de tudo, um argumento óbvio: os formatos reality shows se baseiam justamente no imponderável, e por isso são sempre um risco. Por serem programas não roteirizados – no sentido de que os participantes são colocados dentro deles para que ajam espontaneamente – há sempre a possibilidade de uma má escolha de elenco, ou simplesmente o fato de não haver “química” entre os participantes.
É o que ocorreu, por exemplo, na edição de Big Brother Brasil 19. Conforme destaquei em outro texto, o elenco parecer ter sido escolhido a dedo para o desenvolvimento de certos conflitos, que simplesmente não aconteceram. Os brothers, inclusive, chegavam a se recusar a se envolverem em brigas, impossibilitando a criação de tramas que poderiam ser exploradas na edição.
– Disso decorre outro fato: estes programas se baseiam em um envolvimento por parte dos espectadores, que se sentem engajados e costumam voltar com frequência para acompanhar seus “ídolos”. Deste modo, são programas que recompensam os espectadores fiéis e não os casuais (aqueles que acompanham esporadicamente) ou os zapeadores (os que mudam de canal o tempo todo e só param naquilo que chama a atenção).
Isso traz um risco, portanto, de excluir da audiência aqueles que não se empenham para assistir (seja na TV, seja nas redes sociais) diariamente às atrações. Uma novela, por exemplo, por seu ritmo mais redundante e a recapitulação diária das tramas, tem mais fácil entrada.
– Justamente por essa ênfase no engajamento, há uma forte chance de distorção da trama e um esvaziamento dos conflitos antes do final. Este argumento tem sido destacado por vários críticos de televisão, como Maurício Stycer e Chico Barney, que apontam que o sistema de votação desses programas – que possibilita que as mesmas pessoas votem incontáveis vezes – prioriza justamente os engajados, ou seja, os fã clubes apaixonados, com tempo e energia disponíveis para fazer um levante virtual em prol de seu ídolo.
O resultado disso é que bons participantes acabam sendo eliminados muito cedo, fazendo com que as possibilidades de histórias interessantes se encerrem precocemente. Uma sugestão dada a esse problema pelo crítico Chico Barney é que haja uma votação controlada por número de CPF, fazendo com que cada espectador só consiga votar uma vez.
– Outro elemento, me parece, é a falta de criatividade do próprio elenco fixo dos programas: os apresentadores, os jurados e demais convidados. Parte do apelo de MasterChef Brasil, por exemplo, está no carisma de seus avaliadores – a afetividade sóbria de Paola Carossella, o sotaque carregado e as caretas de Erick Jacquin, o coração mole por trás do corpo tatuado de Henrique Fogaça. Entretanto, todos estes elementos são tão reiterados que acabam por causar certa irritação.
A cada episódio de MasterChef, a prova apresentada é sempre a mais difícil de todos os programas, a mais longa de todas as edições, a eliminação é a mais emocionante de todos os anos. O resultado, é claro, é que acaba soando bastante forçado.
O mesmo pode ser dito da apresentação contagiante de Marcos Mion em A Fazenda, que parece levar aquilo tudo muito a sério (o que é um trunfo em sua atuação). Mas a repetição de certos recursos – como o “jogo” de Mion em cada roça de falar frases de personagens da cultura pop como se fossem pensadores históricos – acaba tornando tudo um tanto patético.
Isso significa que não aguentaremos mais novas edições desses programas? Obviamente, esta não é uma equação simples, que nem de longe se esgota numa resposta ou numa solução a esses realities. O que temos, na verdade, é uma indicação de que é preciso, por parte dos canais, uma atenção especial a estes “carros chefe” de sua programação, uma vez que, na TV aberta, tudo é medido em valores superlativos. E é sempre bom lembrar: exatamente por se basear no fascínio causado pelo imponderável, nada impede que, em 2020, tenhamos as melhores edições de A Fazenda, MasterChef Brasil, BBB e tantos outros programas que puderem ser pensados pelas emissoras.
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