É comum ouvir de esportistas e ex-esportistas que sua relação com a imprensa é um tanto complicada. Talvez por isso, muitos passaram a contar com treinamento midiático, escolhendo o que dizer e quando dizer. Mesmo os clubes, vez ou outra, impedem o trabalho de determinados veículos que, na visão dos diretores da agremiação, sejam tendenciosos. Saltam-me aqui várias questões à cabeça. O que pensam atletas e dirigentes esportivos ser o papel do jornalista? Mitificar atletas e clubes? O que significa “ser tendencioso”? A função do jornalismo esportivo é construir e trabalhar factoides? Esse treinamento em mídia também não é, em sua essência, ser tendencioso? Afinal, você passa a fornecer apenas elementos para construção de notícias orientadas.
Mergulhar na história do jornalismo esportivo brasileiro permite que tiremos duas conclusões. A primeira de que boa parte do que é produzido possui caráter de entretenimento. A segunda é que, como apontado pelo jornalista Fábio de Carvalho Messa em artigo publicado no Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, 80% das notícias e reportagens especializadas giram em torno de uma única modalidade esportiva: o futebol. Mesmo dentro desta porcentagem, a maior parte das notícias-entretenimento é direcionada aos torcedores: matérias de jogos, tabelas de campeonatos, um registro superficial sobre dados corriqueiros.
Como dito na mesma pesquisa, praticamente todo o noticiário esportivo, principalmente os dos canais abertos, nos dá a impressão de que há um cumprimento mecânico de pautas, sem nenhum diferencial criativo ou editorial entre os canais, sem contar o abuso da especulação sem dados. Parece que levamos as mesas de bar, onde se discutem os lances da rodada do final de semana com os amigos, para a frente da TV.
Programas como Jogo Aberto (Band), Globo Esporte (TV Globo) e demais mesas redondas são, na realidade, um jornalismo de variedades, cujo tema não é o esporte, mas os personagens e conglomerados que compõem o circo esportivo. Desta forma, boa parte das notícias são propagandas do esporte, sem contar o uso excessivo de merchandising, como no caso do Terceiro Tempo (Band), comandado por Milton Neves.
Sem dúvida que o jornalismo esportivo não se resume a isto. Dependendo da proposta editorial, ele pode assumir outras configurações.
As pautas dos programas passam a ser construídas na busca pelo furo jornalístico, pela “bomba”, geralmente para escandalizar, usando para isto outras figuras alçadas ao palanque midiático da informação que, fossem jornalistas, seriam donos de enormes “barrigas” (ou seja, notícias erradas). Impossível esquecer quando o ex-jogador Neto – atualmente comentarista nas transmissões de futebol da Band – “cavou” a contratação do hoje ex-jogador Seedorf pelo Corinthians, fato que não ocorreu. Quando o objetivo não é o sensacionalismo, vemos na televisão o esmiuçar da rotina monótona de treinos e jogos.
Uma análise rasa diria que a atual configuração das redações esportivas (repletas de ex-atletas e modelos) é resultado do desinteresse do espectador ou do leitor em compreender o esporte, ou mesmo aprofundar seus conhecimentos acerca dele. Na realidade, toda a cadeia de produção e consumo (jornalistas e público) tem acatado os mitos produzidos pelo meio, perpetuando essa falsa compreensão de que este é o verdadeiro jornalismo esportivo.
Sem dúvida que o jornalismo esportivo não se resume a isto. Dependendo da proposta editorial, ele pode assumir outras configurações. A ESPN Brasil, por exemplo, tornou-se reconhecida por seus documentários e programas. Um deles, o Caravana do Esporte, surgido em 2005 de uma parceria entre a emissora com a UNICEF, o Instituto Esporte e Educação e o Instituto Sol da Liberdade, foi finalista por duas vezes do Prêmio Esso e vencedor do Prêmio APCA.
Com duração de uma hora e ostentando o lema “Esporte e arte para a educação e o desenvolvimento humano”, o Caravana do Esporte é o registro jornalístico da ação dos projetos com abordagem socioeconômica da realidade da infância, da educação pública, além de questões históricas, culturais, geográficas e ambientais da região visitada – a prioridade são as regiões do semi-árido, Amazônia, comunidades quilombolas e indígenas, além das periferias de grandes centros urbanos. Durante a Copa do Mundo FIFA realizada no Brasil, a emissora exibiu uma série de documentários que tratavam a relação da ditadura militar com o futebol.
Já o Redação SporTV, do canal a cabo SporTV, sob o comando do jornalista André Rizek, é outro que procura fugir à lógica dos programas esportivos. Exibido de segunda a sexta, sempre às 10 horas da manhã, o jornal esportivo matutino talvez seja o melhor exemplo do jornalismo reflexivo de profundidade. São duas horas de programa, sempre contando com a presença de outros jornalistas (da própria emissora e de afiliadas da TV Globo) e de músicos, escritores, filósofos, entre outros. Entre a leitura crítica das manchetes dos jornais impressos, entrevistas e reportagens, Rizek e companhia propõem uma crítica diária ao jornalismo esportivo, discutindo (mesmo que nem sempre com a profundidade merecida) assuntos como o sexismo, machismo, violência e corrupção, costurando um retrato mais fiel sobre o esporte e sua relação com o cotidiano das pessoas.
Também são bons exemplos o Cartão Verde (TV Cultura), que foi comandado durante anos por José Trajano e por onde passaram nomes como Juca Kfouri e Armando Nogueira; o Dossiê SporTV (SporTV), talvez o único programa voltado ao jornalismo investigativo de esporte na televisão brasileira; o Grandes Momentos do Esporte (TV Cultura), exibido até 2012 e comandado pelo jornalista Luis Alberto Volpe, que narrava a história de personagens do esporte e procurava relacionar acontecimentos esportivos, culturais e políticos do passado e a situação do esporte na atualidade.
Talvez seja o momento dos programas ditos esportivos procurarem um divã, e de nós “zapearmos” mais pelos canais.