Em Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente, produção brasileira da HBO Max dirigida por Carolina Markowicz, o passado volta a respirar com força. A minissérie se passa no Rio de Janeiro dos anos 1980, no início da epidemia de HIV/Aids, e parte de uma história real: a de um grupo de comissários de bordo que, diante da inércia do Estado, decide contrabandear o medicamento AZT — ainda não autorizado no país — para distribuir a pessoas infectadas. É uma narrativa sobre medo, coragem e solidariedade, construída sem melodrama e com notável senso histórico.
O protagonista, Nando (Johnny Massaro), é o ponto de convergência entre a vulnerabilidade e o gesto político. Ao descobrir o diagnóstico, ele se vê compelido a agir. Massaro constrói um personagem contido, atento às nuances de um tempo em que respirar era quase um ato de resistência. Ao seu lado, Bruna Linzmeyer interpreta Léa, colega de cabine e cúmplice na rede clandestina, cuja postura ética sustenta boa parte da tensão dramática. Ícaro Silva, como Raul, performer e drag queen que vive nas margens, traz à trama a dimensão social da exclusão — um corpo que resiste à invisibilidade imposta por medo e preconceito.
O elenco amplia o alcance da série. Eli Ferreira vive Yara, comissária negra que sonha em se tornar piloto, e expõe o entrelaçamento entre racismo e misoginia num ambiente marcado por hierarquias rígidas. Júlio Machado, no papel do piloto Barcelos, encarna a masculinidade convencional dos anos 1980, presa a códigos de virilidade e silêncio. Hermila Guedes, como Joana, médica que se arrisca ao colaborar com o grupo, representa o dilema ético entre cumprir regras e salvar vidas. Igor Fernandez, como Caio, astro do futebol e namorado de Nando, sintetiza a contradição entre fama e segredo num país que aprendia a lidar com a homossexualidade fora do armário.
O roteiro, assinado por Patrícia Corso e Leonardo Moreira, com colaboração de Linzmeyer, é enxuto e preciso. Em cinco episódios, constrói uma trajetória de descoberta, ação e perda, sem abrir mão da dimensão política. As cenas de bastidores de voos, boates e corredores de hospital são articuladas com sobriedade e clareza. A série não oferece lições, mas propõe um olhar para o passado como forma de compreender a persistência do estigma.
O roteiro, assinado por Patrícia Corso e Leonardo Moreira, com colaboração de Linzmeyer, é enxuto e preciso. Em cinco episódios, constrói uma trajetória de descoberta, ação e perda, sem abrir mão da dimensão política.
A recriação de época é notável pela funcionalidade. Figurinos, cenários e trilha sonora situam o espectador sem recorrer à nostalgia. A fotografia alterna luzes frias e tons abafados, compondo a atmosfera de clausura e vigilância que marca a narrativa. Há um controle formal rigoroso, mas sempre a serviço da história.
Markowicz dirige com atenção ao gesto e ao silêncio. Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente não procura heróis, mas pessoas comuns tentando sobreviver em meio à negligência e ao medo. Ao final, resta a ideia de que respirar — e permitir que outros respirem — é, ainda hoje, uma forma de resistência.
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