A série original da Apple TV+ O psiquiatra ao lado tem muitos méritos, um deles é saber explorar tão bem os meandros do cuidado com a mente humana.
Poucos momentos são tão íntimos e estamos tão expostos do que durante uma sessão de terapia. Essa é uma das razões em que dramas centrados nestes momentos sejam tão explorados e tão carregados emocionalmente, basta recordar de Sopranos ou In Treatment.
Dirigido por Michal Showalter e Jesse Peretz, O psiquiatra ao lado adapta o podcast de true crime homônimo, contando a longa relação entre o doutor Ike Herschkopf (interpretado por Paul Rudd) e seu paciente, Marty Markowitz (Will Ferrell).
A inspiração em um caso real por vezes leva o espectador da série ao limite da suspensão da descrença, tamanha as monstruosidades ali expostas, os picos de manipulação e exploração cometidos pelo psiquiatra.
Marty tinha sérios problemas de confiança, era uma pessoa de 40 e poucos anos, repleto de neuroses, dificuldades de sociabilidade, comandando uma empresa fabricante de tecidos, herança de seus pais. Sua irmã Phyllis (a excelente Kathryn Hahn) era seu extremo oposto. Firme, cética, centrada no trabalho e fácil de se lidar.
Em que pese a mudança de gênero, a dinâmica entre a dupla constrói esse ambiente angustiante para o espectador.
Para ela, a postura de seu irmão é um problema que ela crê, piamente, que ele deve resolver. Em virtude disso, coloca o doutor Ike no caminho de Marty, acreditando que ele poderia consertar o que, na visão dela, havia de errado com o irmão – uma versão clássica de um grande mito sobre a terapia, o de que se conserta algo que está quebrado.
Ao longo dos próximos 30 anos, Ike vai interferir diretamente nos rumos da vida de Marty, seus relacionamentos, sua empresa, sua relação fraterna, seu dinheiro e até em seua casa. Tudo isso para a mais pura incredulidade da irmã.
O psiquiatra vai, aos poucos, estabelecendo uma relação de imensa confiança com seu paciente, que transcende o divã. Herschkopf convence o personagem de Ferrell a cortas laços com sua família e a lhe conceder acesso irrestrito, primeiro a uma casa nos Hamptons, em sequência à sua conta bancária.
Esse jogo de confiança é sempre levado ao limite quando Ike precisa de algo de Markowitz. Ele o manipula, sempre o tranquilizando de que as coisas estão caminhando e ele está melhorando, o que faz com que ganhe cada vez mais espaço em sua vida. Contudo, todo esse jogo de cena apenas serve para mantê-los unidos em uma relação parasitária e tóxica.
Chama a atenção que Ferrell e Rudd, parceiros costumazes de comédias, estejam lado a lado nesse drama em oito episódios. Em que pese a mudança de gênero, a dinâmica entre a dupla constrói esse ambiente angustiante para o espectador, que tenta advertir o personagem na série de que aquilo é errado.
O Ike de Paul Rudd em O psiquiatra ao lado é, ao mesmo tempo, solícito e frio, atraente e repulsivo. Entretanto, é o Marty de Ferrell quem nos captura. A imagem do ator, tão conectado ao humor, nos dá a completa imersão em uma pessoa perdida, alienada em seus desejos, inerte, ao mesmo tempo frágil e totalmente exposto.
Admito, no entanto, que terminou a minissérie com uma sensação agridoce. Não sei se da angústia do protagonista que chega até o espectador, ou se pela dificuldade em assimilar tamanhos absurdos encenados por Rudd e Ferrell.
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