Com a difícil missão de substituir a bem-sucedida A Força do Querer, de Gloria Peres, a atual trama de Walcyr Carrasco, O Outro Lado do Paraíso, não estava indo muito bem. O salto de 10 anos e o início da segunda fase da novela, ocorrido no 30º capítulo, na segunda-feira passada, prometendo uma reviravolta e guinada na trama, era exatamente o que o folhetim precisava.
Mas analisando o enredo até aqui, o que tem chamado a atenção da crítica e do público é a semelhança que algumas tramas têm com histórias muito conhecidas. Por exemplo, na primeira fase, o drama de Elizabeth/Duda (Gloria Pires) pareceu uma releitura (para não dizer cópia) do melodrama Madame X, uma peça teatral francesa, escrito para o teatro por Alexandre Bisson, em 1908, e adaptado inúmeras vezes para o cinema.
Na novela, Elizabeth é uma mulher de origem humilde que se casou com um diplomata, com quem teve uma filha. Seu sogro julgava que ela não estava à altura do filho e armou uma armadilha: fez com que se envolvesse com um empresário, que morreu acidentalmente diante dela. O sogro aproveitou a situação para chantageá-la e a convenceu a forjar a própria morte para não ser presa.
Para quem assistiu à mais famosa adaptação de Madame X – o filme com o mesmo título, de David Lowell Rich, de 1966, protagonizado por Lana Turner, como Holly Parker, e Ricardo Montalban, como o amante que morre acidentalmente -, todo este enredo deve ter soado familiar. No filme, quem chantageia a personagem é sua sogra. Ela sabe que a nora é inocente, mas vê na situação uma oportunidade para afastá-la do filho. E a solução encontrada é a mesma que vimos em O Outro Lado do Paraíso: a personagem de Lana Turner simula a própria morte em um passeio de barco, deixando o marido e o jovem filho pensando que ela morreu.
Questionados sobre plágio nas redes sociais e nos perfis oficiais por inúmeros espectadores, a Rede Globo respondeu: “A novela é produzida com base nas criações originais realizadas sob encomenda da TV Globo aos seus contratados. Como em toda obra, eventualmente podem existir referências comuns ao universo dramatúrgico”.
Mas convenhamos, as semelhanças vão muito além de “referências comuns ao universo dramatúrgico”. E essa não é a única trama da história que parece ter sido inspirada por outras obras. A história da mocinha Clara, por exemplo, está longe de ser original. O enredo central é semelhante com a de La Patrona (2013), novela mexicana produzida pela Telemundo: nas duas, a descoberta de pedras preciosas nas terras da família da moça humilde provoca a ambição da sogra ambiciosa, que interna a mocinha em uma clínica psiquiátrica, onde fica afastada do filho e de todos. Tempo depois, ela consegue fugir e retorna para se vingar.
E já que estamos falando em interdição, fuga e vingança, nesse início da nova fase do folhetim, as cenas da personagem Clara lembraram muito uma outra clássica história que traz todos esses elementos citados acima: o romance francês O Conde de Monte Cristo, do brilhante Alexandre Dumas, de 1844.
O livro conta a história de Edmond Dantès, um marinheiro que foi preso injustamente. Na prisão, conhece um clérigo de quem fica amigo e que o educa por vários anos sobre diversas artes e ciências. Quando o clérigo morre, ele troca de lugar com o morto e escapa da prisão, toma posse do tesouro que seu amigo havia lhe revelado à localização e utiliza sua nova condição financeira para vingar-se daqueles que o levaram à vida de prisioneiro. Identificou alguma semelhança?
Porém, essa não é a primeira vez que Carrasco se inspira em obras prontas para escrever novelas. O folhetim Cravo e a Rosa (2000–2001) era uma adaptação de comédia romântica inspirada no clássico livro A Megera Domada, de William Shakespeare, e Chocolate com Pimenta (2003–2004) foi inspirada na opereta austríaca A Viúva Alegre, de Franz Lehár (1905).
O sucesso Etâ Mundo Bom! também foi inspirado em obras de outros autores: além da homenagem aos filmes de Mazzaroppi, a personalidade do protagonista Candinho (Sergio Guizé) foi baseado no conto “Cândido”, de Voltaire. Já a trama de Romeu (Klebber Toledo), golpista que se apresentava como comprador de fazendas, tem origem no conto O Comprador de Fazendas, de Monteiro Lobato. A diferença, nesses casos, é que a Globo comprou os direitos de Candinho, filme de Mazzaroppi, e deu crédito para as demais obras.
Mas analisando o enredo até aqui, o que tem chamado a atenção da crítica e do público é a semelhança que algumas tramas têm com histórias muito conhecidas.
Entretanto, assim como aconteceu na atual telenovela, Walcyr Carrasco já foi acusado de plágio outras vezes. Em Alma Gêmea (2005–2006), foi acusado de plagiar o livro Chuva de Novembro, publicado em 1997, pelo escritor Carlos de Andrade. Na mesma trama, Carrasco também enfrentou um processo movido por Shirley Costa, que viu muitas semelhanças entre o melodrama e seu livro Rosácea. [highlight color=”yellow”]Em ambos os casos, o dramaturgo garantiu que nunca havia lido os livros e acabou sendo absolvido das acusações.[/highlight]
Em Amor à Vida (2013), o autor também não escapou das críticas do público. Segundo informações publicadas na época pelo colunista Flávio Ricco, a trama recebeu diversas denúncias de plágio, pois o enredo trazia situações extremamente similares à de séries estrangeiras. Os personagens de Thiago Fragoso e Marcello Antony, por exemplo, passavam por um processo parecido com o de dois personagens da série The New Normal, do canal NBC. Já em comparação com a aclamada Grey´s Anatomy, da rede ABC, as acusações foram tão sérias que foi noticiado que a criadora da série, Shonda Rhimes, chegou a procurar advogados no Brasil para entrar com um processo na Justiça contra a novela.
Em defesa do autor, podemos citar alguns trechos de uma coluna que Walcyr Carrasco escreveu em setembro de 2015, intitulada “A mágica do autor”, para a revista Época:
“Sou rato de livraria. Viciado em livros, acabo comprando mais do que leio. Em um processo criativo, parece que minha mão é conduzida exatamente para um livro inspirador. Vejam bem, as histórias nunca são parecidas […]. Eu conheço autores que se inspiram no cinema americano de décadas passadas. Grandes autores. Nos últimos tempos, inventou-se a palavra ‘releitura’ para explicar o uso de fontes de inspiração.
[…] O pior é que não há coincidências. Há teses literárias que dizem existir somente pouco mais de 20 tramas contadas ao longo de toda a história. Essas tramas são como um alfabeto: articuladas de uma maneira ou de outra, se tornam originais. […] Boa parte das histórias segue estruturas básicas, é fato. […] A verdade é que um autor ‘conversa’ com outro, do passado. Essa é a mágica do autor: a presença viva da literatura, do cinema, da televisão em sua cabeça.
[…] Sempre me perguntam de onde vem minha inspiração. Tenho duas respostas. A primeira é uma lenda indígena segundo a qual haveria um lago. No fundo desse lago, pedras, que constituem todo o tesouro da imaginação humana. O autor ‘mergulha’ nesse lago imaterial e resgata uma pedra. Sua história. Mas há também outra explicação importante. Também é preciso responder: Sou apenas o elo de uma corrente.”