No dia 26 de março de 2019, a televisão brasileira celebrou um feito: o programa Domingão do Faustão completou 30 anos de veiculação ininterrupta na Rede Globo, tornando-se uma das atrações mais longevas da emissora. Há 30 anos, ligar a TV aberta no domingo se tornou sinônimo de dar de cara com um apresentador bonachão, com forte sotaque paulista, controladamente irreverente e, por vezes, engraçado de uma forma difícil de explicar.
É uma verdadeira façanha, por diversas razões, mas eu destacaria a que parece mais paradoxal: o apresentador Fausto Silva é entendido como o pior e o melhor da televisão brasileira. Sua performance costuma ser decodificada como aquilo que a TV faz de mais alienante, degradante (não são poucas as pessoas que dizem ter ojeriza à voz e ao rosto de Faustão), tanto como um sinônimo de conforto, de segurança (vê-lo na tela se tornou quase como encontrar alguém da família, de quem nem sempre gostamos mas que, de um modo estranho, nos alegra que esteja já).
Independente de como se compreenda o apresentador, o fato inegável é que Fausto Silva é um fenômeno, capaz de permanecer 30 anos no ar, capitaneando um programa importantíssimo à grade de sua emissora, repetindo o mesmo estilo, os mesmos quadros, e fazendo-o parecer sempre renovado. Seu ritmo de apresentação é, de forma contraditória, intenso e algo aborrecido: intercala um entusiasmo que parece genuíno (pontuado por seus famosos bordões como “ô loco, bicho!”) e um mau humor típico do fim do domingo, quando todos estão enterrados em seus sofás, chateados por mais uma semana de trabalho à espreita.
30 anos depois de sua estreia na Globo, talvez ainda restem poucos espectadores que lembrem de sua chegada na emissora. Trazido da Band – onde, depois de consolidar sua carreira como repórter esportivo, chamou a atenção ao apresentar o icônico Perdidos na Noite –, foi contratado como uma espécie de resposta à perda do apresentador Gugu ao SBT (episódio contado por Gugu durante sua entrevista no Programa do Porchat). O Domingão do Faustão tinha, portanto, uma proposta de destronar Silvio Santos enquanto cabeça de seu horário, o que de fato aconteceu (a história é contada com mais detalhes nesta matéria especial do UOL sobre os 30 anos do programa).
Independente de como se compreenda o apresentador, o fato inegável é que Fausto Silva é um fenômeno, capaz de permanecer 30 anos no ar, capitaneando um programa importantíssimo à grade de sua emissora, repetindo o mesmo estilo, os mesmos quadros, e fazendo-o parecer sempre renovado.
A estratégia deu certo e Fausto Silva assumiu seu lugar no panteão dos grandes nomes televisivos, ao lado de pouquíssimos “olimpianos” como o próprio Silvio Santos, Gugu, Xuxa Meneghel, Hebe Camargo e Ratinho – todos estes possuidores de personalidades televisivas que marcaram os rumos pelos quais outros profissionais trilharam suas trajetórias, e que parecem insubstituíveis nas atrações que comandam. São, portanto, referências sempre seguidas, e a marca de Fausto, como já dito, talvez seja justamente a irreverência: alguém que se mostra imprevisível, carismático ainda que sempre de mau humor, capaz de soar original e autêntico mesmo estando “domado” dentro da maior emissora do Brasil (o que o faz, no mínimo, ter responsabilidades imensas com a obtenção de bons níveis de audiência).
Nestes 30 anos, o mais surpreendente, creio, é que o programa parece relevante mesmo sem grandes mudanças. Muitos quadros memoráveis deixaram de existir – cito, por exemplo, as “Olimpíadas do Faustão”, uma competição entre anônimos em provas físicas cômicas, fadadas ao fracasso (a mais famosa era a “Ponte do Rio que Cai“); o “Controle Remoto”, um quiz sobre a própria televisão; o “Sexolândia”, competição entre artistas com perguntas sobre sexo e relacionamentos; e o “Jogo da velha”, quadro em que celebridades ajudavam participantes a responder perguntas em um cenário que remetia a um jogo da velha. No entanto, alguns permanecem, inexplicavelmente, ainda que claramente repetidos ao longo de trinta anos, como as “Videocassetadas”, cujo próprio nome remete à idade.
Mas destaco dois aspectos que ajudam a explicar a relevância – e a consequente longevidade – do Domingão de Faustão. O primeiro é a sua capacidade de renovação em quadros que configuram verdadeiros eventos, e que geram forte repercussão para além da televisão. Cito, especialmente, “Dança dos famosos”, “Arquivo Confidencial”, e mais recentemente “Show dos Famosos” e o muito acertado “Ding Dong”, que tem promovido um resgate no passado da música brasileira – quebrando também a ideia de que o palco de Faustão recebe apenas os responsáveis pelos hits do momento.
O segundo é o talento que o programa tem de estender sua experiência para além da própria televisão. Ainda que Faustão seja um claro produto de uma chamada indústria cultural (ou seja: concretiza um programa acessível, sem complexidade, destinado quase exclusivamente ao entretenimento fácil), sua espontaneidade e carisma tornou-o uma espécie de cult na internet. Tudo o que há de mais kitsch no programa se tornou celebrado: o anacrônico corpo de baile, com dançarinas que interagem com Faustão de forma artificial, as piadas velhas e os bordões repetidos há três décadas, as roupas estranhas usadas pelo apresentador, as eventuais grosserias que ele solta na plateia ou nos convidados. É tudo tão bizarro que se criou mesmo uma fanfic coletiva, replicada nas redes, totalmente improvável de um romance entre Faustão e a cantora Selena Gomez.
Repetitivo e engraçado, criticado mas nunca ignorado, Domingão do Faustão chega aos seus 30 anos com a façanha de ter se tornado a tradução da TV aberta de domingo – e isso não é pouca coisa.