Já comentei anteriormente nessa coluna que a “supersérie” da Rede Globo, Os Dias Eram Assim, peca em muitos aspectos. A trama apresenta quase todos os clichês folhetinescos, mas não traduz a complexidade do importante período da história recente do Brasil no qual é ambientada.
A primeira fase retratou os Anos de Chumbo (início da década de 1970). Logo na sequência, foi para 1979, mostrando a Lei da Anistia. Saltando então para a época das Diretas Já (1983-1984). Neste momento, não há como afirmar exatamente em que ano a trama está. Pode ser que ainda esteja em 1984, já que a ficha hospitalar de uma das personagens mostrou a idade de 22 anos e a data de nascença em agosto de 1962. Mas talvez seja 1985, afinal, está acontecendo as etapas eliminatórias do “Festival dos Festivais” (um evento musical realizado no Brasil em comemoração aos 20 anos da Rede Globo de Televisão).
O capítulo de segunda-feira deixou claro ao seu público de que o assunto, embora não seja mais algo novo, ainda é importante. A prevenção segue necessária. Foi um excelente alerta.
Também poderia ser 1986, pois uma das cenas de arquivo utilizadas pelo enredo mostrou um depoimento de Tony Ramos na época em que ele atuava em Selva de Pedra, e um da Debora Bloch, quando ela integrava o elenco de Cambalacho. Enfim, essa confusão não é algo tão surpreendente: reconstituição de época nunca foi o ponto forte da série. A única coisa que temos certeza é que, seja qual for o momento em que se encontra a história, o drama político se esvaziou e do núcleo central só sobrou o chato romance vivido pelos protagonistas Alice (Sophie Charlotte) e Renato (Renato Góes).
Confesso que, de tão decepcionada, já deixei de acompanhar a novela diariamente faz algum tempo. Assisto bem de vez em quando, naqueles momentos em que esqueci a televisão ligada no canal e, quando me dou conta, acabo assistindo algumas cenas. Foi isso que aconteceu na noite da última segunda-feira (dia 21), mas agradeço, pois tive uma gratificante surpresa.
Em um período em que a trama não possui muitos dramas interessantes, a personagem Nanda (Julia Dalavia) está se destacando. No capítulo de antes de ontem, a garota descobriu ter Aids – em uma época em que pouco se conhecia sobre a doença e o diagnóstico tinha o peso de uma sentença de morte – e revelou à mãe Kiki (Natália do Valle), à irmã Alice e ao mordomo Sandoval (Ricardo Blat) que tem o vírus HIV.
Foi uma cena densa, bem dirigida e que contou com o talento dos atores envolvidos. A atriz (que interpretou Mayara na série Justiça e, na minha opinião, é uma das promessas da novíssima geração de atores) apresentou uma sequência emocionante e que deu credibilidade ao texto didático (veja aqui).
E falando em didatismo, que é sempre tão criticado em teledramaturgia, dessa vez trabalhou a favor da trama. Pela manhã, o assunto já havia sido discutido no programa Encontro, com a participação de Julia Dalavia. Para costurar a sequência em que Nanda descobre o diagnóstico, foram usadas muitas imagens dos anos 80, com cenas de arquivo de telejornais e programas de TV, explicando ao público o que era a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Durante a exibição da série, no intervalo comercial, a emissora exibiu um filme da campanha de prevenção à Aids da UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS). E, fechando o capítulo, um letreiro informou ao público: “A Aids ainda não acabou”.
Ontem (dia 22), o Ministério da Saúde usou o drama para fazer campanha no Twitter sobre a importância de se prevenir do vírus HIV:
Ontem em “Os Dias Eram Assim”(@redeglobo), Nanda (@juliadalavia) revelou q está c/ Aids. Esta cena é + comum do q vc imagina! #UseCamisinha pic.twitter.com/0FHqTxvkHG
— Ministério da Saúde (@minsaude) August 22, 2017
Didático. Porém, inserido em uma ação de esclarecimento muito pertinente ao tema social proposto. Já se passaram 30 anos desde que o surgimento da Aids era essa “novidade”. Hoje, sabe-se muito sobre ela, suas formas de contágio, meios de prevenção e que existe tratamento, embora ainda não haja cura. Tantos avanços podem ter dado a impressão, para os mais desavisados, que a doença já desapareceu. E isso não é verdade.
No programa Encontro, Julia Dalavia comentou sabiamente: “É uma grande responsabilidade falar disso na supersérie e aqui no programa para levar informação à minha geração. Acho que o maior medo de transar sem camisinha hoje é a gravidez e não uma doença como a Aids. Acho que a minha geração não viu o sofrimento daquela época e de todo mundo que foi embora cedo por causa da doença”.
Julia está certa. A minha geração, que é a mesma que a dela, nasceu em meados dos anos 90 e, quando nos tornamos adolescentes, a epidemia do vírus HIV já não era mais a pauta do momento. Éramos crianças e não sofremos, por exemplo, com a morte dos ídolos do rock brasileiro Renato Russo e Cazuza que, contemporâneos à época da trama, além de representar a luta contra a repressão política do país, adquiriram e faleceram em decorrência da doença.
Portanto, o capítulo de segunda-feira deixou claro ao seu público de que o assunto, embora não seja mais algo novo, ainda é importante. A prevenção segue necessária. Foi um excelente alerta.