Semana passada, comentei neste espaço que a pandemia de Coronavírus, espalhado no mundo inteiro, tem tido como um efeito colateral a valorização dos meios de comunicação profissionais, em especial, da mídia televisiva. A televisão, nestas últimas semanas, tem-se tornado uma ferramenta de enfrentamento da desinformação que se prolifera nas (democráticas?) redes digitais.
Passada uma semana desde esta análise, vários novos dados referentes à cobertura televisiva vieram à tona. Em uma reportagem da Folha de São Paulo, a jornalista Cristina Padiglione revelou que os números de audiência dos telejornais têm sido crescentes. Programas como o Jornal Nacional e canais pagos como a GloboNews têm registrado os melhores índices dos últimos nove anos.
O dado é animador não apenas para as emissoras, que dependem destes bons índices para conquistar anunciantes e equilibrar sua receita, mas para toda a população. Isto porque nos mostra que, frente ao excesso de informação (como os conteúdos mentirosos ou de pouca confiabilidade que circulam em grupos de WhatsApp), as mídias de massa têm recuperado sua função central que, como apontado na semana passada, é o de servir de bússola segura que nos ajuda a navegar em um mundo de incertezas. O que temos sentido na prática é que a proliferação desmensurada (e descontrolada) de informações nos leva ao pânico e à incapacidade de tomar decisões sensatas. Alguns pesquisadores, inclusive, têm proposto falar sobre uma “infodemia”, uma epidemia informacional mais prejudicial que benéfica.
Mas é claro que este dado não tem essa interpretação absoluta. O aumento das audiências certamente se relaciona não apenas com a busca de informação confiável neste cenário caótico, mas também a uma questão de hábitos de consumo. Parafraseio aqui um trecho da reportagem de Padiglione: “com home office e aulas presenciais suspensas, a família volta a se encontrar em torno do televisor, um hábito que vinha se desgastando na era do streaming e das telas individuais. Essa inversão de tendência é pautada em especial pelo interesse pela informação sobre um momento absolutamente inédito”.
Em outras palavras, a pandemia tem reavivado a TV em sua função familiar, centralizadora, como um aparato tecnológico que une as pessoas e não as desune. Assistimos mais à televisão à medida em que ficamos em casa, uma vez que ela não presta bem a um consumo em movimento. A TV, portanto, acaba assumindo um importante papel de “cola social” que só nos faz sentido realmente a partir de uma fruição coletiva, em que as pessoas consomem e dialogam sobre aquilo que veem (e poucas coisas talvez suscitem tanto o sentimento de coletividade quanto o enfrentamento de uma pandemia). As telas individuais dos celulares, por outro lado, são particulares, e inspiram o monólogo (quando eu compartilho aquilo que gostei) e não o diálogo.
A pandemia tem reavivado a TV em sua função familiar, centralizadora, como um aparato tecnológico que une as pessoas e não as desune. Assistimos mais à televisão à medida em que ficamos em casa, uma vez que ela não presta bem a um consumo em movimento.
Tendo em vista a gravidade da situação, ao longo desta última semana, tivemos o anúncio de vários impactos, incluindo mudanças nas grades televisivas. Programas pararam de ser transmitidos (como o Mais Você, encabeçado por Ana Maria Braga, que está com câncer e por isso é grupo de risco), programas de auditório foram gravados sem auditório (como o Domingão do Faustão) e as novelas encerraram suas produções (decisão anunciada de forma bem-humorada pela Rede Globo, lembrando que toda novela tem beijos e abraços). Certamente foram decisões difíceis tomadas em tempos difíceis.
Dito isto, comento aqui minhas percepções sobre algumas destas mudanças – as que já vimos e as que veremos nas próximas semanas (ou meses):
– Os telejornais têm acertado em suas coberturas e na extensão de seus telejornais, procurando trazer ampla abordagem ao momento vivido e às dúvidas da população. Muitas transmissões, inclusive, estão sendo feitas das casas dos repórteres, evitando a exposição desnecessária dos profissionais. Abre-se mão de qualidade técnica (pois muitas dessas transmissões são de celular ou webcam, mal enquadradas) mas prioriza-se o quesito informativo.
– Outros programas de variedades, como o Fantástico, praticamente monopolizaram suas agendas falando da pandemia, no intuito de dirimir as dúvidas (que são muitas e crescentes) da população. No sábado, dia 21 de março, o programa É de casa, da Globo, teve uma edição especial que durou 5 horas e somou esforços como o “Bem Estar” (que antes era uma programa e agora se tornou um quadro de jornalismo de saúde). A abordagem foi múltipla e eficaz, inclusive saindo dos conhecidos estúdios da Globo e levando médicos para a casa da população muito pobre. Destaco aqui o trabalho do repórter Manoel Soares, de extrema sensibilidade.
– Mesmo que a informação seja a tônica, os telejornais não têm se isentado de outro tipo de direcionamento ao público, referente à opinião – às vezes de forma direta, noutras, de forma velada. O Jornal Nacional, por exemplo, preparou uma matéria que tocava quase no deboche, relatando que o presidente Bolsonaro deu uma aula de como não usar a máscara respiratória. Já no Jornal da Band, um editorial duro do grupo Band detonou as ações do governo que geraram uma nova crise diplomática com a China (com direito a chamar o Ministro das Relações Exteriores de “idiota”).
– Uma decisão impactante na vida da população (e talvez inédita) é a “quarentena” das novelas da Globo, que serão encerradas e voltarão para uma segunda fase quando voltarem a ser gravadas. A questão que gerou certa controvérsia é a opção da Globo por veicular versões sintéticas de antigas novelas no lugar (Novo Mundo, no horário das 18h, Totalmente Demais, nas 19h, e Fina Estampa, nas 21h). Parece estranho que a Globo resolva “mutilar” seus folhetins para caber nesse período, sendo que possuem muitas séries originais que poderiam ser divulgadas – inclusive, como forma de cativar um público para o Globoplay. No entanto, conforme dito por alguns de meus interlocutores nas redes sociais, a decisão talvez seja minimizar os riscos de oferecer produtos que não novelas aos espectadores destes horários.
– Por um fim, um último pitaco. O fato de que a cobertura televisiva tenha angariado tanta audiência duplica a responsabilidade das emissões, uma vez que impactam cada vez mais gente. Parte do trabalho da imprensa tem tido desmentir informações que circulam descontroladamente – como, por exemplo, o rumor de que um medicamento indicado para malária estaria dando resultados eficientes para doentes com o coronavírus. No intuito de desmentir, telejornais replicaram o nome do remédio várias vezes e cooperaram para que ele sumisse das farmácias, prejudicando as pessoas que o tomam de forma contínua. É apenas um exemplo de que não temos controle absoluto sobre os efeitos da comunicação de massa e, por isso, nem toda boa intenção do mundo exime as mídias de causarem prejuízos sérios.