Há um bom número de séries voltadas ao público jovem que tenta mostrar os percalços da vida de forma engraçada e reflexiva. Algumas conseguem fazer isso muito bem, como Girls (HBO) e Skins (Channel 4), outras apenas mostram pessoas idiotas fazendo coisas idiotas, como Love (Netflix) ou You’re The Worst (FX). Mas há algumas que misturam tudo isso de maneira surpreendente, falando sobre temas pesados de maneira leve, mas não menos impactante. Outras ainda conseguem captar fragmentos raros e delicados da vida, graças a um roteiro que mescla ferramentas da ficção com a visão de vida do autor. É o caso de Please Like Me, série australiana com quatro temporadas já exibidas. As três primeiras estão disponíveis na Netflix.
Criada e estrelada pelo ator e roteirista Josh Thomas, a série é inspirada em situações que foram vividas por ele ao longo de sua vida. Na história, ele é Josh, um jovem que está iniciando sua vida adulta e descobrindo sua homossexualidade. Extremamente egoísta e mimado, ele divide sua casa com o melhor amigo, Tom (Thomas Ward), um cara que tem dificuldades de tomar decisões importantes ou enfrentar seus problemas pessoais. Os personagens giram em torno do protagonista, que tenta ajudar cada um com seus problemas, enquanto ainda precisa lidar com suas próprias neuroses. No início da série, Claire (Caitlin Stasey) conclui que Josh é gay, o que a leva a encerrar seu relacionamento com ele. Passando pela incerteza de assumir ou não sua homossexualidade, que ele acreditava ser apenas uma fase, Josh conhece Geoffrey (Wade Briggs), por quem se sente atraído. No meio de tudo isso, Josh é surpreendido com a notícia de que sua mãe Rose (a maravilhosa Debra Lawrance) tentou o suicídio. Rose entrou em depressão depois que foi abandonada pelo marido Alan (David Roberts), que a trocou por Mae (Renee Lim), uma mulher mais nova com quem tem uma filha recém nascida.
Mesmo com uma sinopse que poderia caber perfeitamente em alguma série dramática, Please Like Me é uma injeção de ânimo, ainda que bastante provocativa. Ao longo de suas quatro temporadas, alternando momentos nonsenses com diálogos extremamente inspirados (“sair do armário é tão anos 90”), a série consegue trazer à tona assuntos relevantes e pesados de forma sensível e honesta, sempre fazendo o público rir com eles, algo que diversas outras séries mais pretensiosas tentam fazer com muito esforço e pouco impacto. Para se ter uma ideia, Please Like Me aborda homofobia, racismo, depressão, bipolaridade, aborto, suicídio, câncer, HIV, relacionamento aberto e mais um monte de situações práticas da vida e que, quando vistas na tela, causam uma identificação absurda, sem nunca pesar a mão ou pender para o melodrama.
Please Like Me é uma série que vai crescendo. Começa com um protagonista irritante e com situações engraçadas para depois passar por uma carga dramática muito bem mascarada por uma leveza extrema.
Tudo isso é tratado sem firulas, com diálogos não muito elaborados, mas sempre sábios e profundos. Não há pretensão, não há romantização de nada. A primeira relação sexual de Josh com um homem é mostrada da maneira mais real possível: atrapalhada, desconfortável e um tanto quanto confusa. Todos os personagens ganham espaço e há uma linda discussão sobre depressão e doenças mentais. A vida LGBT na Austrália é mostrada de forma incrivelmente real (por vezes, muito parecida com as grandes cidades brasileiras) e não é necessário explicar os conflitos dos personagens, já que tudo é bastante visceral.
E é impressionante como a série consegue ir de momentos engraçadíssimos para momentos incrivelmente tocantes em menos de um minuto. Por exemplo, quando um personagem comete suicídio, Please Like Me não perde tempo mostrando o sofrimento dos outros personagens ao redor, mas coloca o protagonista e sua mãe em uma viagem de cinco dias em que os dois acampam e dormem na mesma barraca. O roteiro mostra a mãe chorando, soltando gases, dando gargalhada, para logo depois iniciar uma discussão sobre suicídio e o amor materno, em um dos momentos mais emocionantes de toda a série.
A morte, aliás, é um dos temas recorrentes de todas as temporadas. Desde o primeiro ano da série, Josh é cercado por personagens incríveis que, de uma hora pra outra, vão embora em momentos nada esperados. Uma senhora morre enquanto espera uma pessoa dentro do carro; uma mulher comete suicídio enquanto parecia tão feliz. A reação é sempre a mais real possível. Não há gritos, há silêncio. Não há choros copiosos, mas um há um choro desesperado no quarto, sozinho. Há o público completamente devastado sem ao menos perceber como uma comédia, de repente, se tornou tão melancólica e identificável.
E é interessante perceber que quase todos os episódios de Please Like Me trazem apenas diálogos e poucas ações. Não há muitas surpresas e, mesmo assim, a série não é entendiante, o que ressalta o talento de Josh Thomas. Please Like Me é uma série que vai crescendo. Começa com um protagonista irritante e com situações engraçadas para depois passar por uma carga dramática muito bem mascarada. Assim, quando o impacto chega, a reação é bastante interessante.
Em tempo: a produção é da Josh and John Productions, sendo que a segunda, terceira e quarta temporada tiveram coprodução do canal norte-americano Pivot, por meio da Participant Media, proprietária do canal. Em dezembro, o Pivot anunciou o fim de suas atividades. Com isso, ele deixou a coprodução da série, que ainda não foi renovada para a quinta temporada.