Falar de sexo nunca foi tarefa fácil para a televisão. Os dilemas dos programas que abordam o tema são vários. Vejamos: falar sobre sexo pressupõe franqueza, mas sem jamais esquecer que a sexualidade habita o universo da fantasia, do desejo, do onírico. Falar sobre sexo pressupõe a responsabilidade de ser instrutivo, mas a TV não pode esquecer de que fala para uma audiência massiva, e nem tudo pode informado indiscriminadamente a todos os públicos.
Sendo assim, foram diversas as atrações que já se aventuraram nesta seara, com mais ou menos sucesso. Elas vão desde o sexo enquanto performance e entretenimento do Amor & Sexo, na Globo, à conversa estritamente informativa da septuagenária Sue Johanson, transmitido no Brasil pelo GNT; da cama redonda de uma Monique Evans muito espirituosa em Noite Afora, na Rede TV!, às discussões apimentadas e sem papas na língua de Penelope Nova do Ponto Pê, na MTV. São muitos os formatos e as fórmulas – e, certamente, ainda há muito a ser desbravado no mundo do sexo na TV.
Nos recônditos da TV a cabo, esconde-se uma pequena pérola no Canal Brasil, o programete Pornolândia. Trata-se, basicamente, de um programa de entrevistas com personalidades diversas que representam, em suas vidas e carreiras, algum tema relacionado à sexualidade. Pornolândia, como o próprio nome talvez sugira, não se pretende ser estritamente informativo: o programa quer, sobretudo, levar o espectador para o mundo do sexo naquilo que ele tem de mais orgânico, vivo, mesmo sujo. Nada de metáforas, de instrumentos educativos, de eufemismos: aqui o sexo é explícito, assumido como natural (no sentido de parte inerente à vida) e construído (pois o sexo é mental, criação pessoal de cada um a partir daquilo que mais lhe apetece).
Falar sobre sexo pressupõe franqueza, mas sem jamais esquecer que a sexualidade habita o universo da fantasia, do desejo, do onírico.
Para que toda esta proposta funcione, uma peça fundamental é a apresentadora: a atriz Nicole Puzzi, mais conhecida do grande público como uma das grandes musas das pornochanchadas brasileiras. Nicole traz a sua trajetória e sua expertise como parte da atração de Pornolândia: em vários momentos, exibe fotos e relembra momentos de seus tempos da Boca do Lixo, além de trazer ao seu encontro outros personagens desta mesma época. A história do cinema brasileiro é reverenciada aqui – e o resgate se dá justamente de um momento pouco valorizado de nossa história.
A performance de Nicole dá o tom de cada um dos programetes: provocativa, ela parece solta e genuinamente interessada nos seus convidados. Por vezes, o programa se dá em um bar e Nicole conversa com o entrevistado enquanto dividem uma cerveja. Em outros momentos, Nicole divide intimidades e ri de si mesma. O tom mundano que associamos às pornochanchadas em nosso imaginário está sempre presente – e que bom que é assim.
Aos convidados cabe a tarefa de problematizar, por meio de suas presenças, as diversas facetas do sexo. As discussões envolvem modalidades de fetiche, artes vinculadas ao erótico, bastidores do cinema pornô, amor livre, sexualidade entre as pessoas com deficiência, sexo e a religiosidade. Os personagens têm sempre um certo tom de bisbilhotice no desejo alheio, uma vez que muitos são profissionais que geram muita curiosidade. Vários atores e atrizes pornô já foram entrevistados, bem como diretores e produtores de pornochanchadas, além de profissionais do sexo e strippers.
Em seus curtos 11 minutos, os episódios de Pornolândia se dividem entre as conversas com Nicole e ensaios sensuais de mulheres. E aqui está uma boa sacada do programa: ele aposta nas performances de uma espécie de alter porn, ou seja, numa pornografia alternativa desvinculada aos padrões artificiais da pornografia mainstream. Durante as primeiras temporadas, o programa ainda exibe o quadro culinário “Cozinha ao Ponto”, em que uma “cozinheira burlesca”, Sweetie Bird, está nua enquanto prepara receitas simples numa cozinha que nada lembra os sofisticados cenários dos programas da GNT.
Em outras palavras, as mulheres que se exibem às câmeras do Pornolândia nada têm de tradicionais. São moças tatuadas, com piercings, gordas, magras, com deficiências, que fogem dos escravizadores padrões de beleza das revistas estilo Playboy. Têm celulite, bunda grande, estrias que não são disfarçadas. Os cenários também parecem estrategicamente escolhidos para fortalecer a atmosfera underground: elas se despem em quartos de motéis baratos, em cozinhas com teto descascando, em laje com roupa pendurada no varal. Tal casting é possibilitado pelo fato de o programa ser idealizado pela XPlastic, a mais consolidada produtora de altern porn brasileira.
Tudo isso torna Pornolândia uma inusitada atração escondida na TV a cabo e um prato cheio àqueles que preferem uma abordagem mais naturalista e desglamourizada não apenas do sexo mas, sobretudo, da vida.