Já comentamos aqui algumas vezes que hoje assistimos a uma espécie de transição nos protocolos da TV, que passa por profundas alterações em razão, sobretudo, de sua competição com outros meios. Se outrora a televisão alimentava o reinado das grandes estrelas, que desempenhavam uma forma de liderança coletiva frente à audiência, [highlight color=”yellow”]hoje a celebridade está diluída em pessoas entendidas mais comuns[/highlight], mais acessíveis e – teoricamente – mais próximas do grande público. A lógica do sucesso dos youtubers é de que eles são gente como a gente, alçados à fama por coisas que nós também poderíamos fazer, e estão ao alcance de um clique.
Obviamente, isso não significa que a televisão “tradicional” não produza mais celebridades. Elas continuam surgindo a todo instante – vide a sanha que tantos ainda têm por aparecer em qualquer emissora, encarando as situações mais esdrúxulas. O que parecemos não ter mais é o surgimento das megaestrelas televisivas de outros tempos, justamente aqueles em que a TV reinava soberana dentre todas as mídias. Conforme já dito, hoje as lógicas são outras.
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Mesmo assim, os membros desse escasso panteão ainda estão aí, buscando a manutenção de um lugar que outrora foi seu, e tentando se adaptar aos novos tempos. Falo dos nomes que habitaram essa espécie de Olimpo televisivo, gente como Silvio Santos, Xuxa, Faustão, Gugu. Se esses nomes continuam configurando ainda os grandes salários das emissoras, por outro lado, [highlight color=”yellow”]há algum tempo já não têm o mesmo prestígio que um dia tiveram[/highlight]. Em partes, continuam nas grades para oferecer ao espectador um certo prazer bizarro de ver uma estrela enfrentar a decadência. Viram foco de memes, e estão submetidos a todo tempo a um escrutínio coletivo em busca de seus fracassos.
É o que ocorre, por exemplo, com a apresentadora Xuxa, alçada desde cedo ao “título” de nobreza da “rainha dos baixinhos”. De fato, a fama de Xuxa se deu na base do desenvolvimento de um séquito muito fiel a tudo (bom ou ruim) que fizesse durante sua carreira. Durante os anos 80, ela se estabeleceu como referência entre as apresentadoras, e foi reconhecida como a que melhor estabelecia uma linguagem direta a esse público. Virou quase um sinônimo de programa infantil – todas as demais atrações que surgiam nas demais emissoras permaneciam à margem do Xou da Xuxa.
Ocorre que o público de Xuxa envelheceu e, mais do que isso, as linguagens mudaram. Ela experimentou falar com os adolescentes no Planeta Xuxa e foi testada em outros programas como TV Xuxa e Conexão Xuxa, mas acabou “posta na geladeira” (nos termos televisivos, quando uma personalidade permanece contratada por uma emissora, mas não está no ar) na mesma Globo que a consagrou. Foi assumida enquanto uma estrela irrevogável, mas sem função na grade da empresa. Mesmo sem trabalhar, era alguém que valia a pena manter na folha de pagamento para que outra emissora não a contratasse.
A fala de Xuxa revela a ciência de que, onde quer que esteja, ela sempre será uma aposta grande das emissoras. Dela não é esperado nada menos do que o sucesso absoluto, embora esta provavelmente seja uma missão impossível.
Em 2015, uma notícia inesperada: Xuxa e Globo romperam um contrato de 29 anos e ela fecha com a concorrente Record. Sua chegada na nova emissora teve uma cobertura megalomaníaca digna de toda a trajetória ultramidiática da apresentadora. O tom assumido na Record faz jus à alegoria “aristocrática” que a cercou durante toda a carreira global. O tratamento, portanto, descreve uma rainha que muda de condado – ainda que a campanha de lançamento tenha também prometido levar ao público uma Xuxa meio “plebeia”, próxima dos seus súditos.
Dois anos depois, Xuxa já tem alguma história inscrita da nova casa. Depois de muita especulação, estreou na emissora com Xuxa Meneghel, que fazia referência ao formato do programa da comediante Ellen DeGeneres. O programa, contudo, nunca vingou. Por vingar, entenda-se aqui tanto números de audiência quanto repercussão pública positiva – o programa nunca “colou” entre o público, e pareceu restrito aos indefectíveis súditos que a acompanham desde sempre. Mais uma vez, [highlight color=”yellow”]uma experiência frustrada de tentar atingir um público que vá além do fandom da apresentadora[/highlight], que (aparentemente) estará ao seu lado em qualquer empreitada. Encerrado o programa Xuxa Meneghel em dezembro de 2016, ela volta em 2017 capitaneando Dancing Brasil, mais um reality show competitivo de dança (formato que o Domingão do Faustão já explora com sucesso há uns bons anos).
Para os parâmetros do que se espera de uma megaestrela, portanto, a história de Xuxa nos últimos anos parece ser decrescente. Em entrevista recente a Fabio Porchat, concedida no encerramento da segunda temporada de Dancing Brasil, um suposto desabafo: Xuxa lamenta não ter dado ainda o retorno esperado pela Record. “Queria dar para essa casa tanto Ibope, tanta alegria, e eu ainda não consegui. Estou muito feliz aqui, mas queria dar muita alegria para eles. Tenho muito tempo de televisão, 33 anos, e nunca tive uma equipe tão redonda como essa”, disse, aparentando sinceridade.
Assim, a fala de Xuxa revela a ciência de que, onde quer que esteja, ela sempre será uma aposta grande das emissoras. Dela não é esperado nada menos do que o sucesso absoluto, [highlight color=”yellow”]embora esta provavelmente seja uma missão impossível, pelas razões já expostas.[/highlight] Seu patamar de sucesso a torna uma personagem que não pode voltar atrás, de quem não se espera menos – apenas a queda.
De todo modo, há aqui um questionamento sobre a possibilidade de reinvenção dos peões dessa “velha TV”, como Xuxa: em que medida é justo cobrar deles a mesma permanência e relevância na mídia nos últimos trinta anos? Assistir à decadência das velhas estrelas (como, por exemplo, rir do caduquismo de Silvio Santos, por mais politicamente incorretas que sejam suas falas), afinal, parece fazer parte do entretenimento que eles proporcionam. Talvez haja uma medida de sadismo em cada um dos espectadores que prestigiam (ou deixam de prestigiar) às intocáveis celebridades da TV.