Chegou, finalmente, o momento esperado por todos os brasileiros que estavam sedentos por um bom entorpecimento midiático. Depois de muita especulação sobre as possibilidades de cancelamento e sobre os componentes do casting, a Record estreou a décima segunda edição de A Fazenda, o reality show de convivência assumidamente trash que busca preencher o buraco deixado pelo BBB 20: oferecer a cada noite um episódio de uma vida paralela em que celebridades e subcelebridades vendem sua privacidade em troca de entretenimento.
A julgar pela primeira semana do programa, A Fazenda promete não decepcionar a expectativa. O elenco – que confirmou nomes esperadíssimos há anos, como o da cantora Jojo Todynho – parece escolhido a dedo para os efeitos pretendidos: causar repercussão, gerar tretas inúteis e potencializar o surgimento de memes diversos. Essa parece, por fim, a vocação de A Fazenda: criar um universo paralelo de uma diversão irônica (pois quem assiste sabem que o programa não tem exatamente qualidades estéticas) na qual todos podem participar sem medo.
Por isso, o sucesso de cada edição tem a ver com esse jogo de xadrez inicial, que é a montagem de um grupo capaz de gerar assunto para a conversação coletiva. Os produtores de A Fazenda 12 parecem saber mesmo montar boas jogadas. Obedeceram às regras veladas do reality: unir um time de integrantes que legitimam o desejo de ser uma subcelebridade e todas as renúncias que isso significa. Não por acaso, o elenco do programa é sempre composto por vários personagens que sonharam com isto: ex-participantes de outros realities, ex-dançarinas de televisão, pessoas que tiveram sua reputação já arranhada pela mídia, e que agora almejam uma “segunda chance”.
Deliciosamente tosco, A Fazenda parece ter grandes chances de se tornar o universo paralelo que faltava desde o fim de BBB 20.
Talvez o grande desafio de um programa desse, aliás, seja justamente conseguir calibrar numa narrativa coerente a quantidade de pessoas agrupadas e que tentam, a todo custo, conquistar um pedaço de visibilidade dentro de um espaço abarrotado de gente que quer aparecer. Ao juntar os “barraqueiros” da televisão (como Lipe e Stéfani Bays, do De férias com o ex, e o repórter “Cartolouco”, que saiu da Globo), há uma grande possibilidade de que vários deles se percam dentro uma edição diária de uma hora. O picadeiro é pequeno para tantos artistas.
Em busca da repercussão, não por acaso que A Fazenda 12 resolveu trazer Biel, um funkeiro com várias acusações de assédio moral e sexual (o que foi configurado pela narrativa do programa como “polêmicas”), mesmo que tenham ocorrido várias manifestações contrárias à sua escalação nas redes sociais. Ele aparece como um pivô perfeito para causar o “fogo no feno” repercutido continuamente pelo apresentador Marcos Mion. Ou seja, A Fazenda quer – como todo bom reality trash – criar uma narrativa fácil e polarizada entre torcidas, tal qual aconteceu, de forma magistral, no BBB 20.
A outra boa jogada da produção do programa foi levar para a fazenda dois nomes que não configuravam nas listas de especulações. Mateus Carrieri e Luiza Ambiel, os mais velhos, são uma espécie de elementos jurássicos dessa neo TV fascinada pelo cotidiano de pessoas famosas. Ele participou do primeiro Casa dos Artistas, o reality show do SBT que “furou” o Big Brother Brasil e apresentou ao país a ideia de que haveria graça em espiar pessoas confinadas. Já ela participou do Casa dos Artistas 3, mas ficou célebre mesmo por ser a protagonista do quadro “Banheira do Gugu”, do Domingo Legal, em que uma mulher de biquíni lutava numa banheira com celebridades que tentavam caçar sabonetes. O quadro se tornou uma espécie de totem da TV trash dos anos 90, e por isso faz todo o sentido trazer Luiza para resgatar essa memória, hoje coberta pela afetividade. Suas presenças, portanto, é uma espécie de recompensa aos fãs da televisão – especialmente os que se permitem a desfrutar os prazeres proibidos da TV de má qualidade.
Por fim, é preciso destacar aqui a pessoa que, em minha opinião, tem maior potencial para protagonista de A Fazenda 12. Falo, obviamente, de Jojo Todynho, uma funkeira crescida no bairro de Bangu, de família humilde, cujo pai morreu ao ser atingido por uma bala perdida. Jojo alçou o sucesso em uma espécie de idolatria irônica. Mulher gorda, há algo de subversivo na sua figura, que nada contra os parâmetros da busca de perfeição por 99% dos influencers e/ou webcelebs, como ela.
Em A Fazenda, Jojo parece comprometida em expor a sua performance extravagante e engraçada que lhe deu fama. Em poucos dias, Jojo já dançou, reclamou, dormiu, se embebedou, beijou JP Gadelha (ex-The Circle) e soltou várias frases e frames compartilháveis em forma de meme. A funkeira – como mostra bem esse tweet, que exibe uma cena em que Jojo quebra a quarta parede e parece encarar a câmera, como a protagonista de Fleabag – tem todo o potencial para encabeçar boa parte da diversão do programa. No entanto, ela sempre anda sobre uma linha fina: o de se tornar um ícone, como Gretchen, ou de virar uma caricatura de si mesma.
Deliciosamente tosco, A Fazenda parece ter grandes chances de se tornar o universo paralelo que faltava desde o fim de BBB 20. Vamos torcer para que os “roceiros” e “fazendeiros” estejam dispostos a se exporem o suficiente para garantir a nossa alegria.