Chegamos mais uma vez ao final de RuPaul’s Drag Race, um dos reality shows mais empolgantes da TV mundial. Em sua temporada 12 (!!), o show capitaneado por Mama Ru (como o apresentador é carinhosamente chamado pelos participantes, suas “filhas”) segue surpreendendo pela longevidade e pela capacidade se reinventar, mesmo apostando sempre nas mesmas fórmulas (as provas da competição são sempre as mesmas, e as competidoras já vão preparadas, numa espécie de olimpíada drag de alta performance).
Por isso mesmo, o sucesso (ou o fracasso) de uma temporada se relaciona diretamente aos personagens escolhidos e às possibilidades de criar uma narrativa interessante em torno deles. Nem sempre dá para acertar (a temporada 9 foi uma prova disso), mas a imprevisibilidade do formato é também a tônica de sua graça. Não obstante, a décima segunda corrida das drags, podemos dizer, acertou na sorte e nos entregou bons elementos: queens marcantes e talentosas, alguma cota de drama, bordões que serão repetidos, memes (alguns nada espontâneos, como o “brócolis” de Dahlia Sin) e bons momentos de diversão e torcida.
Curiosamente, a parte do drama se deu justamente para fora de RPDR: uma das participantes, Sherry Pie, sofreu várias denúncias de assédio contra homens gays. Ocorre que essas denúncias aconteceram depois que a temporada já havia sido filmada, obrigando a VH1 a se posicionar, optando por manter uma nota de repúdio ao início dos episódios, mas esclarecendo que as gravações seriam mantidas em respeito ao trabalho das outras drags. Tivemos aí algo de ineditismo no programa, pois é ao mínimo inusitada experiência de ver a competição sabendo que uma das participantes não iria ganhar – ainda mais porque Sherry Pie se revelava uma das performers mais fortes e preparadas. Teve algo de incômodo de ver esse “apagamento em vida” de uma protagonista, pois Sherry claramente teve sua participação diminuída na edição – e, sem o escândalo, é bastante plausível cogitar que ela levaria a coroa.
A décima segunda corrida das drags acertou na sorte e nos entregou bons elementos: queens marcantes e talentosas, alguma cota de drama, bordões que serão repetidos, memes e bons momentos de diversão e torcida.
Afora o drama envolvendo Sherry Pie, a temporada nos presenteou com momentos memoráveis, que restarão no coração dos fãs. Destaco aqui, primeiramente, elementos das que considero as grandes protagonistas da temporada 12 (descontando Sherry, conforme já explicado). Heidi N Closet teve uma atuação marcante pois encarnava o papel da estrela desprovida de dinheiro, dos ghettos, diferentemente de suas irmãs drags (é importante lembrar que a arte drag, com todos os seus artefatos, é bastante cara, e todas as participantes precisam investir muito dinheiro para ter alguma chance em RPDR). O seu nome infeliz (um jogo de palavras sobre “se esconder no armário”) foi logo criticado por Ru, que a rebatizou a cada episódio. Com uma mistura de simplicidade e malandragem, Heidi acabou conquistando a simpatia de muita gente (o que outras participantes tentaram e não conseguiram). Não à toa, acabou levando o título de Miss Simpatia.
A outra protagonista, Gigi Goode, despontou como favorita desde o primeiro episódio. Tinha uma vibe impecável, de quem cresceu assistindo ao programa e se preparando para esse momento, lembrando participantes de outras temporadas, como Aquarius e Violet Chachki. Gigi competia praticamente em dupla, pois todos os seus figurinos foram projetados e executados com sua mãe, que era constantemente mencionada no programa.
Já Crystal Methid, a “azarona”, elevou a bizarrice (já explorada anteriormente por participantes como Thorgy Thor, Sharon Needles e Yvie Oddly) a outros patamares. Crystal simplesmente avacalhou com todas as convenções drag e criou uma persona kitsch, totalmente exagerada e algo infantil, e mostrou-se ainda mais interessante desmontada que montada. Acima de tudo, Crystal evoluiu na competição em razão de seu carisma e sua alegria cativante. Virou a preferida de muitos fãs do programa.
Por fim, tivemos Jaida Essence Hall, igualmente impecável, mas numa tônica mais “pageant” (nome dado à categoria de drags que se montam como mulheres-padrão, tal como misses de concursos). Versátil – pois entregava uma boa performance tanto no glamour quanto no humor – Jaida também se mostrou interessante pois se transformava completamente, como homem e como mulher. Montada, era extremamente feminina e sofisticada; desmontada, é um homem de boné que lembra o rapper Snoop Dogg.
Outro toque do improvável foi a final que, em decorrência da pandemia de coronavírus, não pode ser feito no já tradicional evento num teatro com grande plateia, como uma final do Oscar. A interação foi toda feita via videoconferência, por um RuPaul desmontado e todos os participantes e jurados em suas casas. O resultado, creio, foi um involuntário retorno às origens de RPDR, quando o programa era apenas um embrião daquilo que se tornaria um dia. Os ganhos, dessa forma, foram a retomada do que é mais importante – além da oportunidade de espiar dentro das casas das queens e ter uma noção um pouco melhor de quem são essas garotas.
Em suma, uma temporada bem-feita, que cumpriu as expectativas de quem espera ansiosamente o momento do ano em que poderá, por algumas semanas, no universo onírico de RuPaul’s Drag Race. Agora é só esperar até junho – quando estreia a nova temporada AllStars.