Não lembro exatamente quando descobri Samurai Gourmet, mas consigo recapitular bem a cena: estava de passagem pela sala quando minha mãe, em busca de algo para assistir na Netflix, viu esta série na lista de recomendações. Sendo fascinada tanto por gastronomia quanto pela cultura japonesa, ela resolveu assistir. E estando eu a passar naquele momento por uma séria crise de procrastinação – e achando por algum motivo que seria uma série de época -, resolvi sentar para assistir junto uns dez minutos.
Os dez minutos não exigiram esforço para se tornarem três episódios. E este é o máximo que recomendo assistir por dia. Porque esta não é uma série para ser maratonada. É um pequeno momento sagrado que você dá a si mesmo após um dia estressante, no qual você pode relaxar.
Baseado nos quadrinhos de Shigeru Tsuchiyama, Samurai Gourmet é a história de Takeshi (Naoto Takenaka), um homem de negócios de 60 anos que um dia acorda e percebe que acabou de se aposentar. Pode não parecer grande coisa, mas ele se sente completamente perdido: mais do que em outros países, no Japão o trabalho envolve muito a vida dos assalariados, que praticamente deixam de ter qualquer tempo livre para dedicarem-se à vida cheia de regras e disciplina do mundo corporativo.
Agora, após 35 anos vivendo dessa forma, Takeshi vê-se de repente livre de tudo isso, e com todo o tempo do mundo para dedicar-se a… O quê? O que fazer, agora que não há mais nada a ser feito? Enquanto tenta se acostumar à vida de aposentado, Takeshi caminha sem rumo pelas ruas. E eis que começa a ver a vida de um jeito diferente – ou melhor, comer. A cada episódio, ele passa por uma nova aventura culinária, seja explorando restaurantes locais ou redescobrindo pratos tradicionais que comia no passado.
Há algo que estrague a série? Bem, uma coisa: ela acaba.
Conforme Takeshi redescobre sua paixão pela simples e diversa culinária japonesa, ele encontra um novo sentido à vida, e começa a gostar da aposentadoria… Isso é, se a cada refeição ele não se visse contra a vontade diante de um novo dilema moral. Alguns são ingênuos – “Devo tomar uma cerveja em pleno almoço? Devo repetir o café da manhã apesar de o médico contraindicar isso?” -, outros mais embaraçosos – “Devo colocar minha sobrinha no devido lugar quando ela age como se fosse superior aos outros? Devo dar uma bronca em um cozinheiro que está sendo mal-educado com os clientes?” -. Sempre que isso acontece, ele se pergunta: o que um samurai faria no meu lugar? E é então que sua imaginação ganha asas e ele de fato vê na sua frente seu alter ego, um samurai (Tetsuji Tamayama) que resolve os dilemas de Takeshi à sua própria maneira. Se Takeshi segue ou não os passos do samurai, varia de situação para situação.
Honestamente, não me lembro de alguma vez ter assistido um programa como Samurai Gourmet. Não há explosões, super-heróis ou quaisquer elementos fantásticos. Esta é uma série sobre a realidade. E mesmo assim, não a mesma realidade que você encontra em um drama de época ou um thriller político: é uma série sobre as coisas comuns da vida e a beleza da cultura alimentar japonesa. É, inclusive, diferente de outras séries gastronômicas, em nenhum momento se preocupa em avaliar algum restaurante ou sequer passar a receita dos pratos que Takeshi come: o foco está na busca do protagonista por alegrias na vida de aposentado, relembrando experiências culinárias especiais que teve na infância e juventude, ao mesmo tempo em que descobre o prazer de experimentar coisas novas. Íntimo, pessoal, puro e simples.
Não há um enredo que se prolongue de um episódio ao outro. Não acontece nenhum grande drama nem nada de extraordinário. Cada episódio começa e termina sem ter ido a lugar algum, em uma suave contemplação da poesia da vida. E honestamente, ela não poderia ser melhor! Pode soar como bobagem, mas após assistir alguns episódios, você nota que ficou mais relaxado e alegre, diante do genuíno prazer que a série oferece.
Samurai Gourmet, porém, possui bem mais charmes para oferecer. Primeiro, a produção da série é linda, com grande foco nos detalhes – especialmente em se tratando das comidas, filmadas com tal beleza e destaque que se tornam quase protagonistas dos episódios. Falando em protagonista, Takeshi é extremamente carismático, uma perfeita representação de todos aqueles que só querem aproveitar a vida e comer bem, mas são tímidos demais para resolverem seus próprios problemas.
Está certo que as atuações podem ser um tanto exageradas, tanto por parte de Takenaka quanto de Tamayama, mas de uma forma curiosa, isso não chega a ser um defeito: o samurai de Tamayama é o alter ego de Takeshi, um fruto de sua imaginação, portanto faz sentido ele ser exageradamente valente e rabugento; e as caras e bocas que Takenaka faz sempre que come só dão mais vontade de experimentar o que quer que ele esteja comendo!
Há algo que estrague a série? Bem, uma coisa: ela acaba. E com apenas uma temporada de doze episódios, isso não demora a acontecer. O jeito é torcer para que um dia a Netflix lance uma segunda.