Last Chance U, The Keepers, Making a Murderer… os títulos de séries documentais parecem se acumular no catálogo da Netflix – e, mesmo que timidamente, o movimento também vai surgindo em suas concorrentes, como a Amazon, que busca obter sucesso com All or Nothing. Ainda que muitas dessas séries documentais tenham imensa qualidade e tenham cativado a audiência e a crítica especializada, o número excessivo de produções neste estilo gerou uma onda de mimetização, com muitas séries abordando temáticas semelhantes e com uma estética muito parecida.
É certo que esta não é uma característica exclusiva do gênero (há alguns anos, algo semelhante ocorreu com os seriados mockumentary), mas é o primeiro movimento do tipo a acontecer na era dos serviços de streaming. Dentro deste contexto, a aparição de American Vandal no catálogo da Netflix chama a atenção, mesmo que a série esteja, até aqui, se espalhando ainda no velho “boca a boca”.
American Vandal satiriza as séries documentais que retratam crimes reais, e se não chega a ser excelente, é um show que evolui ao longo dos oito episódios que compõem sua primeira temporada (já foi renovada para uma segunda temporada, a ser exibida no próximo ano).
American Vandal satiriza as séries documentais que retratam crimes reais, e se não chega a ser excelente, é um show que evolui ao longo dos oito episódios que compõem sua primeira temporada.
É preciso alertar ao leitor que a série exige um pouco de esforço do espectador, por diferentes motivos. O primeiro deles é que American Vandal tem um ritmo próprio, mais lento, em especial nos primeiros 4 episódios, uma estratégia propositadamente escolhida para conferir maior veracidade ao que se propõe satirizar; o segundo ponto é que para fazer chacota de séries documentais, American Vandal assume um humor debochado, partindo de uma situação absurda: Dylan Maxwell (Jimmy Tatro) é acusado pelo colégio em que estuda de ter pichado vários pênis nos carros dos professores.
Não por outro motivo, a pergunta “quem desenhou os pintos?” é repetida à exaustão, exercitando a construção de relevância nesta situação carregada de nonsense. Ou seja, se você está à procura de um humor inteligente nos mesmos moldes de Veep, Seinfeld ou Master of None, provavelmente American Vandal não é um programa para você.
Criada por Tony Yacenda e Dan Perrault, American Vandal brinca com a metalinguagem, sendo uma série documental produzida pelo departamento de TV da Hanover High School, dirigida por Peter Maldonado (Tyler Alvarez), um nerd do departamento audiovisual da escola. Tudo parece jogar contra Dylan, um aluno com comportamento questionável, cuja reputação é vista como motivo suficiente para ser um dos principais suspeitos. Para piorar, o álibi de Dylan é frágil e ele recentemente foi punido por alguns dos professores que tiveram seus veículos pichados. Para piorar, Alex Trimboli (Calum Worthy), colega de Dylan, afirma tê-lo visto saindo do estacionamento com uma lata de tinta na mão. Desta forma, Maxwell é expulso do colégio.
Dylan encontra em Peter e em Sam (Griffin Gluck), que não acreditam que ele seja o responsável pelos 27 carros pichados e os mais de 100 mil dólares de prejuízo, a ajuda necessária para tentar reverter o veredito do conselho escolar. A estratégia adotada pela dupla é fazer a reconstituição do crime, entrevistando todos os envolvidos e seguindo pistas que consideram que não foram levadas em consideração pelo conselho da escola.
American Vandal, dentre todas suas virtudes, apresenta alguns pequenos problemas, em especial de ritmo. A premissa da série também acaba não se sustentando em alguns dos episódios – como se os 30 minutos pudessem ser reduzidos a 10 sem perda significativa do humor ou de sua qualidade. Por sorte, Yacenda e Perrault parecem ter entendido isso na segunda metade da primeira temporada e apresentam com maior clareza alguns lances interessantes, como a relação conflituosa entre documentaristas e seus objetos. Também usam o cenário em que estão (o famigerado ensino médio) para lançar um olhar sobre este difícil período na vida dos adolescentes.
Contra todas as probabilidades, a série consegue fazer humor e prender o espectador, ávido por descobrir se Dylan é ou não culpado (e quem seria o vândalo de verdade). Admito que em partes fica a sensação, por vezes, de querer entender se a série é realmente boa ou se a falta de expectativas a tornou melhor do que realmente é. Neste caso, só saberemos a resposta ao fim se seu segundo ano.