Na abertura de cada episódio de Better Things, uma música nos arrebata: a voz rasgada de John Lennon entoa “Mother”, a canção em que ele relembra a infância triste (John foi abandonado pelo pai e pela mãe e criado pela tia). “Mother, you had me, but I never had you, I wanted you, but you didn’t want me”. A música de abertura traz algumas pistas sobre o que veremos nesta série produzida por Louis CK e Pamella Adlon.
Better Things tem o gosto agridoce da música de Lennon: doce e trágica, leve e densa, uma comédia e um drama simultaneamente (uma dramédia, se preferirem). Damos risadas em todos os episódios, mas há algum desconforto em cada graça compartilhada: sabemos que a vida banal de Sam (a protagonista vivida pela própria Pamella Adlon, muito conhecida também por seu trabalho como dubladora em animações) é, em alguma medida, a vida de todas as mulheres, com suas pequenas alegrias e pequenas tragédias que, muitas vezes, de tão minúsculas, não podem ser nomeadas.
A trama de Better Things gira em torno de uma atriz na Califórnia, mas sem grande sucesso (é comum que, durante os episódios, Sam cruze com vários anônimos que indagam se ela “não é aquela moça da TV”), que se divide entre a corrida pela própria carreira (e nesse sentido, o competitivo cenário hollywoodiano é sintomático) enquanto se desdobra para criar as três filhas. Em alguma medida, Sam é a mãe que todos gostariam de ser/ter: moderna, antenada, que fala palavrão e parece estar próxima dos jovens. Mas os dramas de Sam se escondem na sutileza. Divorciada do marido, ela está de “volta ao jogo”: precisa equilibrar carreira, maternidade, cuidados pessoais e a própria vida emocional, a qual parece sempre tangenciar a uma minúscula parte da sua rotina.
Better Things conquista o espectador, em partes, pela pegada realista de sua narrativa: os episódios são curtos, econômicos, o texto é leve e espirituoso, e todos os detalhes da produção buscam trazer a sensação de estarmos diariamente na pele de Sam em seus múltiplos dilemas, os quais são lidados de forma extremamente pragmática, relegando seus conflitos a segundo plano. Há, portanto, a intenção de reproduzir ao público a sensação de estar na pele de uma mulher-mãe-profissional-adulta-independente, com toda a sua sobrecarga, a qual (quase) nunca é reconhecida como tal. Em alguns momentos, a carga de stress que atinge Sam parece tão alta que chega a exaurir quem está do lado de cá da tela – tal como uma mãe de adolescente, sentimos às vezes vontade de estrangular as filhas dela pelas suas chatices.
Better Things conquista o espectador, em partes, pela pegada realista de sua narrativa: os episódios são curtos, econômicos, o texto é leve e espirituoso, e todos os detalhes da produção buscam trazer a sensação de estarmos diariamente na pele de Sam em seus múltiplos dilemas.
Sendo assim, a série nos adentra a um universo essencialmente feminino: a vida de Sam é cercada por suas filhas, sua mãe (a quem ela ama e detesta na mesma proporção), por suas amigas solteiras e casadas, pelas profissionais que a ajudam. Há os dramas ditos e aqueles que as mulheres decifram só de olhar. Não por acaso, um dos momentos mais poéticos da primeira temporada é uma cena que envolve a música “Only Women Bleed”, uma pérola meio esquecida do repertório de Alice Cooper – que, embora tenha sido referenciada à natureza feminina e ao ciclo de menstruação, na verdade, conta a história de uma mulher que sofre violência no casamento.
O texto sagaz de Louis CK e Pamella Adlon insere uma quantidade de pequenos dramas de fácil identificação à plateia, especialmente às mulheres que se aproximam da meia idade. Dentre as questões abordadas, estão o envelhecimento da mulher e o medo da perda de sua atratividade sexual; o dilema entre ser uma mãe legalzona e moderna e, mesmo assim, educar os filhos com responsabilidade; a sensação de estar ficando para trás no mercado de trabalho cheio de gente mais jovem; o conflito essencial de saber que é preciso ser generosa com a própria mãe, mas não conseguir aceitá-la, bem no fundo, do jeito que ela é. Tudo isso abordado sem grandes arroubos e qualquer discurso de fundo moral. Mais realista, impossível.
Por fim, os personagens secundários são fundamentais para o bom funcionamento da narrativa de Better Things. A começar pelas filhas, Max (Mikey Madison), a adolescente vaidosa em busca de aceitação social; a rebelde Frankie (Hannah Aligood), que proporciona uma boa discussão sobre gênero e maternidade em um episódio; e a doce caçulinha Duke (Olivia Edward), que traz uma dose de ternura na rotina exaurida de Sam. Destaca-se ainda a mãe, vivida pela atriz inglesa Celia Imria. Todas as mulheres que cercam Sam irritam e comovem na mesma medida – tal qual costuma ocorrer nas relações da chamada vida real.
Com todos estes atributos, Better Things configura aquele tipo de série que gera uma reflexão densa a partir de uma narrativa que, à primeira vista, parece apenas humor e nonsense. A primeira temporada – que ainda tem como trunfo a trilha sonora primorosa e aplicada em momentos chave dos episódios – se encerra com a expectativa de que a próxima estreie logo, para podermos matar as saudades de Sam e de sua improvável trupe de mulheres incríveis.