Existe um tipo de humor nos Estados Unidos que é fruto direto do Saturday Night Live: debochado, crítico e conectado com a realidade social do país. Boa parte dos seriados de humor contemporâneos derivam dele: Brooklyn Nine-Nine, The Good Place, Unbreakable Kimmy Schimidt, Superstore e a mais recente aposta da Netflix, Blockbuster.
Só que, diferente de seus antecessores, a nova série criada por Vanessa Ramos, roteirista de BNN e Superstore, parece forçada, um desvio na curva. A crise de 2009 segue batendo forte na sociedade norte-americana, sendo fruto de um olhar atento ao que acontece a partir disso.
Mesmo não sendo uma abordagem inovadora, Blockbuster peca mais é pela tentativa de estabelecer um diálogo direto com outras produções. Não haveria problemas se não estivéssemos diante de um caso de “copia, mas não faz igual”.
Timmy (Randall Park) é o gerente da última loja Blockbuster do mundo. Infeliz na vida pessoal e vendo sua carreira ir por água abaixo, ele decide manter sua filial aberta, a contragosto do que rezam as boas práticas empresariais.
Falta a Blockbuster, além de originalidade, robusteza em seu argumento.
A videolocadora é uma extensão direta de sua vida. Timmy tem poucos amigos além dos funcionários, e é apaixonado por Eliza (Melissa Fumero, de BNN), sua colega dos tempos de colégio, que abandonou Harvard, se casou, teve uma filha e nunca conseguiu sucesso profissional.
Todos os personagens de Blockbuster estão comprometidos com alguma camada do que se chama de underdogs, ou perdedores. A locadora é também uma parte importante da existência deles, ainda que todos, de um modo ou outro, façam questão de pontuar seu desgosto em estar ali.
O seriado, cuja primeira temporada possui 10 episódios, se refastela em piadas já vistas, principalmente na finada Superstore. Vanessa Ramos, um às desse humor descendente de SNL, plagia o próprio trabalho, requentando temas e situações que se arrastam na tela. E veja bem: ela está na Netflix, não precisaria disso.
Falta a Blockbuster, além de originalidade, robusteza em seu argumento. Cada episódio trafega na ilusão de que Timmy seria capaz de resgatar seu negócio, sendo frustrado ao final de cada um deles. Novamente, a crítica ao estilo de vida americano, aqui centrado no empreendedorismo, parece um discurso frágil, pueril.
E não é que Ramos não tenha elaborado um contexto que lhe fosse favorável. A obsolescência de determinadas áreas de atuação dá muito pano para manga, em especial em uma sociedade tão capitalista como a norte-americana. E ela até tenta ir por esse caminho.
A videolocadora está em uma região com outros negócios caminhando para a falência. Uma loja de artigos para decoração, outra com objetos para casa e jardim. Cada uma delas possui uma grande corporação que dominou o setor. Porém, em algum instante, a criadora prefere que seu roteiro fique centrado na tensão amorosa entre Timmy e Eliza. Só que isso não funciona.
Enquanto Randall Park parece duro no personagem, Melissa Fumero está presa em Amy, de BNN. O espectador fica tentado a todo instante em aguardar que Jake Peralta surgirá em tela. Eliza e Amy são excessivamente semelhantes.
Há um episódio que é bastante interessante (o que não significa engraçado). É o ponto alto da primeira temporada de Blockbuster. Nele, as plataformas de streaming saem do ar. As pessoas, então, se veem obrigadas a correr para a última videolocadora do mundo em busca de filmes e seriados. Esse humor ácido de um produto da própria Netflix é o tipo de talento que a pena de Vanessa Ramos é capaz de produzir, mas pouco na soma final.
Com a postura recente da gigante do streaming, menos condescendente com suas produções, talvez Blockbuster não consiga uma nova leva de episódios para corrigir a rota. Que fique claro, isso é uma pena.
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