Junto com séries médicas, policiais e jurídicas, dramas adolescentes são uma mina de ouro para os canais de TV e um vício para os jovens. Falando de forma bem geral, a onda de seriados teens começou em 1989, com Uma Galera do Barulho, até todos se apaixonarem por Barrados no Baile (90210). A partir daí tivemos uma enxurrada de clássicos dos anos 1990, como Dawson’s Creek, Blossom, Buffy, a Caça-Vampiros, Party of Five até chegarmos nos anos 2000 com as amadas The O.C, Gossip Girl, Skins, Glee, Pretty Little Liars, 13 Reasons Why e por aí vai. É difícil fazer algo novo para esse público, mas de vez em quando aparece algo fora da curva. É o caso de Elite, série espanhola produzida para a Netflix (confira outro artigo sobre a série publicado na Escotilha) e que vem ganhando atenção não somente dos jovens.
É verdade que Elite lembra bastante essas séries citadas acima, mas há algo mais profundo dentro dos clichês. Nesse sentido, a produção lembra muito mais a segunda temporada de American Crime (embora esta não seja uma série adolescente) do que propriamente Gossip Girl, por exemplo. Se na segunda série acompanhamos a vida glamourosa de jovens em Nova York enquanto um estudante menos favorecido quebra essa dinâmica, em American Crime vemos o caso de um jovem bolsista de uma escola particular que acusa um dos alunos de estuprá-lo durante uma festa. Para que não haja um escândalo, a escola tenta oprimir o garoto, o que abre espaço para uma rica discussão sobre conflito de classes e privilégios. Elite certamente não tem um texto tão bom quanto American Crime, mas transita nesse mesmo universo.
Indo na mesma onda de séries teens com um pano de fundo mais denso, Elite se passa num colégio podre de rico da Espanha chamado Las Encinas. Nessa instituição, somente filhos de pais milionários conseguem entrar. Após um terremoto destruir uma escola pública, o governo fornece uma bolsa de estudos para três jovens em Las Encinas. Samuel (Itzan Escamilla), Nadia (Mina El Hammani) e Christian (Miguel Herrán) agora precisam enfrentar o preconceito nada velado daqueles estudantes enquanto são inseridos num mundo bastante distorcido da realidade. No meio de tudo isso, claro, há um assassinato e todos os jovens são suspeitos.
Elite acaba superando as expectativas com um roteiro sólido, um suspense bem amarrado e uma história capaz de prender facilmente tanto um público mais jovem quanto mais adulto.
O mistério do assassinato é interessantíssimo e os flashbacks são utilizados de maneira surpreendentemente boa para uma série nesse estilo, o que garante o vício para devorar todos os oito episódios de uma vez. Mas o que faz de Elite uma série acima da média é a relação entre as personagens. Seria fácil — e certamente daria certo —, se os roteiristas tivessem mantido cada personagem dentro de seu estereótipo esperado, mas em Elite, nem os os mocinhos são tão bons assim, nem os vilões são tão malvados quanto a gente pensa. Essa opção por complexar as personas acaba gerando uma dinâmica orgânica na série. Quando você menos espera, já está envolvido com todos e consegue sentir empatia por cada um deles, mesmo daquela jovem que ganha um apartamento imenso dos pais apenas porque sim.
Esse rico desenvolvimento abre um leque de discussões que são inseridas de forma muito natural. Ainda que haja diálogos expositivos demais em determinados pontos, o discurso funciona. Então, além do conflito pobres x ricos, temos também espaço para falar sobre HIV, quando uma estudante contrai o vírus (e a jovem em questão é rica, branca, heterossexual), preconceito religioso, quando uma muçulmana é impedida de usar seu Hijab dentro da escola, e descoberta da homossexualidade de uma maneira não tão previsível — e aqui é interessante perceber como a parte “rica”, que deveria ser a vilã, acaba respeitando o personagem bem mais mais do que a parte mais “tolerante”, digamos assim.
É claro que Elite apela para atuações exageradas, conduz a narrativa de maneira folhetinesca e insere cenas de sexo e drogas bastante provocativas, mas vai mais a fundo. Elite acaba superando as expectativas com um roteiro sólido, um suspense bem amarrado e uma história capaz de prender facilmente tanto um público mais jovem quanto mais adulto. Outra boa surpresa do ano.