Não muito conhecida pelo público brasileiro, Agatha Christie’s Poirot (nos Estados Unidos intitulada apenas Poirot) foi uma série britânica, que estreou em 1989, e que adaptava, por meio de telefilmes, diversos romances da famosa escritora Agatha Christie, conhecida como a “rainha do crime”. O último longa-metragem, exibido na Inglaterra em 2013 e nos EUA apenas ano passado, adaptou a história do derradeiro romance de Christie, Cai o Pano, que para o filme ganhou o título de Curtain: Poirot’s Last Case. A série terminou após 24 anos, dividida em 13 temporadas, concluindo a trajetória do simpático detetive belga Hercule Poirot.
Embora Christie tenha incontáveis adaptações de suas obras (tanto em peças de teatro quanto no cinema e na TV), a série foi considerada uma das mais fiéis pelos críticos especializados e pelos fãs. O papel de Poirot foi dado a David Suchet, indicado pela própria família de Christie. Para interpretá-lo o ator declarou ter lido todos os romances da escritora, também sendo considerado quem melhor conseguiu captar as características do emblemático personagem. Sucesso absoluto na Inglaterra e transmitida em mais de 100 países, a série ganhou dois BAFTAs (uma espécie de Globo de Ouro da televisão britânica) em 1990. Todos os 72 romances que trazem Poirot como detetive foram produzidos e interpretados por Suchet.
O roteirista Kevin Elyot e a diretora Hettie McDonald acertam ao entender a atmosfera da obra, mostrando um Poirot mais sombrio, frio, assim como acertam ao mostrar a velha casa Styles de forma decadente, quase como uma representação do próprio Poirot.
Ainda que seja um prazer acompanhar todos os romances adaptados na ordem cronológica, muito do sucesso da série aconteceu devido a liberdade entre um filme e outro, não sendo necessário acompanhar fielmente todos os episódios na sequência. Com um orçamento bem menor em relação a longas para o cinema, a série entregava uma qualidade impecável na direção de arte e figurinos, conseguindo transportar todo o clima elegante dos romances de Christie, mantendo os irresistíveis diálogos dos livros e eliminando narrativas que na tela soaria desnecessários. Em 24 anos, a série apresentou adaptações incríveis, fazendo jus a uma das escritoras mais conhecidas pelo mundo todo. Episódios como Os Crime ABC, Depois do Funeral e Cipreste Triste são exemplos de como o projeto tinha respeito com o texto original de Christie, colocando os acertos da autora na tela e realçando detalhes que ficaram ainda melhores.
Em Curtain: Poirot’s Last Case, Poirot decide retornar a Styles, local onde resolveu seu primeiro caso importante (visto no primeiro livro da autora), após quase 30 anos. Embora debilitado, Poirot tem fortes motivos para acreditar que um novo assassinato acontecerá na imponente casa de campo. O roteirista Kevin Elyot e a diretora Hettie McDonald acertam ao entender a atmosfera da obra, mostrando um Poirot mais sombrio, frio, assim como acertam ao mostrar a velha casa Styles de forma decadente, quase como uma representação do próprio Poirot. A obra original, aliás, foi escrita em tempos nebulosos, no início da Segunda Guerra Mundial, permanecendo inédita até 1974, quando a autora autorizou a publicação ao perceber que não mais conseguiria escrever.
O único problema é que Curtain parece esquecer os acertos de seus episódios anteriores. Os bons diálogos e atuações estão lá, mas da mesma forma com a qual Poirot se mostra sombrio, o episódio se mostra maçante, bem diferente do livro. Com uma fotografia mais escura, a história aparece um tanto monótona, cansativa e inverossímil, com uma conclusão que não convence, ainda que seja extremamente engenhosa. O texto, obviamente, respeita o original, mas não faz muito esforço para sair do lugar comum, quase como se fosse mais um caso qualquer e não o último. A dificuldade talvez venha do próprio livro, que já mostrava Christie com uma escrita cansada. Assim, o último episódio acaba falhando, ironicamente ao adaptar a obra fielmente.
Porém, o roteiro acerta ao mostrar vários personagens queridos de volta, colocando-os sob suspeita. Assim, o caso ganha contornos mais psicológicos, dando razões a cada um para cometerem o crime, até mesmo Poirot. Mostrando-se um homem assombrado por lembranças, o detetive analisa sua vida e sua visão sobre o que seria justo. A série, então, humaniza Poirot, que se vê em uma situação em que a justiça já não pode ser feita sob os olhos da lei.
Mas acima de tudo, a série encerra uma era na televisão britânica. A indicação ao Emmy, premiação americana, vem apenas como uma oportunidade de um público maior conhecer toda a obra de Christie. Assim como os livros, espera-se que os filmes sejam revisitados, mantendo viva a memória da autora e marcando a produção como uma das mais importantes e bem feitas séries da televisão inglesa.