Conhecida como A Imperatriz do Blues, Bessie Smith foi uma das mais populares cantoras do gênero no início dos anos 1920. Após conhecer a pioneira Ma Rainey (Mo’Nique), Bessie começou a ser conhecida pelo grande público, tornando-se importante para a história da música norte-americana. Com uma produção da HBO, Bessie mostra o caminho que a levou de uma infância simples no Tennessee ao estrelato, passando por fases cruciais da sua vida. Eficiente ao conseguir transpor toda a importância do blues para a comunidade negra da época, o filme derrapa ao tentar contar todas as fases da cantora sem uma linearidade, com um roteiro fragmentado.
É necessário pontuar que o longa traz diversos acertos que o transformam em uma produção comovente, especialmente em suas atuações. Queen Latifah encarna Bessie Smith de tal forma que cada cena transborda intensidade, mostrando, talvez, o melhor trabalho da carreira da atriz, sendo favorita para levar o prêmio de melhor atriz na categoria filme para TV. Latifah impressiona ao replicar os tons de voz da cantora, muitas vezes cantando sem dublar. Marcante, também, é sua oportunidade de mostrar sua habilidade para o drama, já que no cinema a atriz costuma encarar personagem cômicos. Assim, Latifah leva o público na mão e mostra toda a vulnerabilidade da personagem em cenas emocionantes, como aquela em que aparece nua, sentada em frente ao espelho, cantando e enfrentando a constatação de sua solidão.
E se Latifah impressiona, Mo’Nique quase a ofusca. Interpretando uma intensa Ma Rainey, a atriz vai de uma atitude rude e grosseira para uma carinhosa e compreensiva amiga, cenas que garantiram também uma indicação ao Emmy de melhor atriz coadjuvante. E não somente as duas atrizes têm espaço para brilhar. O elenco de apoio é afiado, especialmente Khandi Alexander (Plantão Médico, Scandal), roubando a cena cada vez que surge na tela. A direção de arte também funciona perfeitamente, transportando o público para a época efervescente do blues. O filme ainda flerta com questões cruciais dos Estados Unidos, como a segregação, quando negros eram separados dos brancos em banheiros, bares, restaurantes e outros lugares. Ainda que não se preocupe em problematizar a questão, o filme mostra cenas inspiradas, como Bessie enfrentando membros da Ku Klux Clan e executivos milionários de Nova York tentando ridicularizá-la.
O filme sofre do mesmo mal de inúmeras biografias. Como resumir a vida de alguém em quase duas horas de duração, sem que as coisas pareçam muito apressadas ou os personagens caricatos?
Porém, com um roteiro que claramente busca apenas enaltecer a persona de Bessie, sempre mesclando sua relação com o blues, o filme sofre do mesmo mal de inúmeras biografias. Como resumir a vida de alguém em quase duas horas de duração, sem que as coisas pareçam muito apressadas ou os personagens caricatos? O problema do longa é que ele tenta abraçar todos os fatos relevantes que aconteceram na turbulenta vida da cantora, sem conseguir, de fato, se aprofundar. São mostrados alguns flashbacks de sua vida para entender seu temperamento difícil, mas não fica claro o que realmente acontece. Vemos Bessie tendo problemas para conseguir um contrato com uma gravadora, sua bissexualidade, seus problemas com a bebida, seus amantes e diversos outros episódios que parecem cenas fragmentadas sem ligação direta. Assim, Bessie, ainda que interessante, se torna uma obra frágil, quase chegando ao seu ápice, mas sempre recuando.
O filme falha justamente ao não se aprofundar no psicológico da personagem. O público entende que a cantora era brilhante e intempestiva, mas não há como conter a sensação de déjà vu ao ver outra grande mulher que bebe sem controle, briga, xinga e intimida todos ao redor. Se não fosse o talento de Latifah, Bessie poderia ser uma sucessão de cenas sem muito impacto. Com uma direção ora segura, ora frágil de Dee Rees, o filme não inova em sua narrativa, mostrando ao público apenas momentos-chave de Bessie, ignorando uma linearidade que a produção pede. Assim, da mesma forma em que Bessie se torna famossa rapidamente, vemos sua derrocada chegar, concluindo o filme de forma um tanto quanto preguiçosa.
Porém, é sempre gratificante assistir a uma produção que enaltece as lutas de personalidades que ajudaram na evolução da sociedade, enfrentando tempos cruéis e tentando encontrar seu lugar no mundo. Ainda que permeado por falhas narrativas, o filme fascina, até mesmo quem nunca teve contato com as obras da cantora Acima de tudo, Bessie tem a ótima intensão de lembrar e registrar um capítulo crucial para os Estados Unidos, homenageando o espírito e a essência do blues, reafirmando a importância de Bessie Smith no legado da música.