Quando Girls estreou na HBO, em 2012, não demorou muito para a crítica especializada bombardear elogios. A criadora da série, roteirista, diretora, atriz e produtora (ufa!) Lena Dunham virou figura carimbada na lista das novas personalidades mais interessantes. Com apenas 25 anos, foi considerada a versão feminina do diretor Woody Allen, sua série foi comparada a uma Sex and the City às avessas e a jovem foi alçada ao título de “voz da geração”. Nesse ínterim, Girls ganhou o Globo de Ouro como melhor série de comédia e garantiu sua renovação para uma segunda temporada.
Junto com o diretor e roteirista Judd Apatow (O Virgem de 40 Anos, Ligeiramente Grávidos, Tá Rindo do Quê?), a série, estrelada pela própria Lena, trazia um olhar singelo, engraçado e incômodo sobre a vida de quatro garotas no início da vida adulta em Nova York. Com personagens carismáticos e uma linguagem jovem e inteligente, Lena introduziu temas recorrentes na vida de (quase) todo mundo: a transição entre o fim da faculdade e o início da fase adulta, uma época em que temos vários questionamentos e poucas soluções. Embora Lena faça questão de focar no universo feminino, a identificação é fácil, independente do gênero.
Já as duas temporadas seguintes se mostraram fracas. Lena se perdeu no meio do caminho, talvez por acumular tantas funções, pela pressa em entregar uma nova temporada à HBO ou talvez por terem superestimado a série cedo demais. Por vezes, Girls soava pretensiosa, entregava roteiros sem coerência, enredos que não tinham a menor ligação com o restante da história, como a crise de TOC desenvolvida por Hannah (Lena Dunham) ao final da segunda temporada, algo que jamais foi sequer citado anteriormente, além de personagens esquizofrênicos que mudavam de personalidade de uma hora para outra. Ainda assim, acertos foram bem-vindos, como transformar Adam (Adam Driver) em uma pessoa bacana e um tempo maior na tela para Shoshana (Zosia Mamet) e Ray (Alex Karpovksy).
Feminista declarada, Lena ainda consegue discutir de forma brilhante as reflexões sobre solidariedade feminina, autonomia do corpo das mulheres e amor por si e pelas outras.
Agora, parece que Lena e seus roteiristas colocaram tudo no lugar, porque a quarta temporada de Girls foi, de longe, a melhor desde a primeira. Como a própria criadora declarou, as garotas tomaram decisões mais sábias. Se nas temporadas anteriores o objetivo era mostrar como elas eram imaturas (o que foi feito de maneira pouco eficaz), o quarto ano foca no amadurecimento de todas. E o grande mérito foi ter dado o tempo necessário para que cada um dos personagens pudesse se desenvolver.
Allison Williams, que interpreta Marnie, finalmente teve seu talento melhor aproveitado, tanto como atriz quanto como cantora (você pode conferir a atriz cantando nesse vídeo aqui). A personagem ganhou uma história mais sólida, depois de duas temporadas em que o objetivo parecia ser o de fazer o público odiá-la, assim como Ray, que embora não tenha lá um dos plots mais interessantes da série, funciona como o “a voz da consciência”, jogando verdades na cara enquanto lida com sua própria fragilidade e paixão platônica por Marnie.
Por sua vez, Jessa (Jemima Kirke) deixa de ser a problemática egoísta – ou menos egoísta – para colocar os pés no chão e tentar ser uma pessoa melhor. Embora não tenha tido tanta relevância como nas temporadas anteriores, seu medo da solidão e seus problemas sociais ficaram muito mais palpáveis ao público, exemplificado num diálogo triste, mas honesto, no final do terceiro episódio. Shoshana também não fica restrita a ser apenas o alívio cômico da história e ganha importância ao perceber que no mundo cruel do mercado de trabalho pós-faculdade, ser apenas eficiente não é o bastante.
Mas a temporada mostra seu crescimento mesmo ao apresentar Hannah desconstruindo todas as certezas que ela acreditava ter. Se no ano anterior ela desiste de trabalhar em uma agência publicitária por achar que seu talento estava sendo desperdiçado no mundo capitalista, agora ela decide se mudar para outra cidade e voltar a estudar. Em Iowa, ela participa de uma espécie de pós-graduação numa renomada oficina de escritores. Só que ao ter um bloqueio criativo e enfrentar críticas ao seu trabalho, Hannah descobre que, talvez, não seja tão boa quanto pensava. Ao tirar a protagonista de Nova York, cidade que é também uma personagem importante, os roteiristas demonstraram coragem em afastar Hannah da sua zona de conforto, forçando o público a mudar junto com ela. Qual a solução, enfrentar o medo e seguir em frente ou desistir e estar em paz com a decisão?
Outro fato que a faz olhar a vida de outra maneira é seu rompimento com Adam. Agora, Hannah precisa encontrar o amor próprio. E a sequência do rompimento e de todos os encontros pós-termino são dolorosas e garantem os melhores e mais verborrágicos diálogos que a série já teve. Feminista declarada, Lena ainda consegue discutir de forma brilhante as reflexões sobre solidariedade feminina, autonomia do corpo das mulheres e amor por si e pelas outras.
Nesta quarta temporada, é possível perceber que a assinatura de Lena Dunham não aparece em tantos episódios como antes, o que foi uma decisão criativa acertada. Os roteiristas parecem ter entendido que, quando se sabe contar uma boa história, não necessariamente precisa acontecer mil coisas para que o público se entretenha, especialmente em uma série que tem como objetivo retratar as dificuldades do início da vida adulta.
A mensagem que fica é a velha máxima. Um clichê repetido pelos mais velhos, mas que nem por isso deixa de ser necessário: um dia nós acordamos, crescemos e fazemos a coisa certa. Mas crescer ainda dói.