Confesso que há algo no gênero faroeste que eu, pessoalmente, acho fascinante. Não sei explicar ao certo, e talvez um dia eu escreva um texto analisando isso melhor, mas não hoje. De uma forma ou de outra, é inegável que o auge das séries de faroeste já passou faz muito tempo, no qual elas foram exploradas até a exaustão.
Mas mesmo em nossos tempos modernos, de vez em quando alguém resolve trazer o gênero de volta à vida. E o que é mais surpreendente: muitas vezes com uma qualidade excepcional. Foi o caso de David Milch em 2004 com Deadwood, de Joe e Tony Gayton em 2011 com Hell on Wheels e, em 2017, de Scott Frank com o assunto do texto de hoje: a minissérie da Netflix Godless.
Seria de se imaginar que, para a Netflix dar o sinal verde para uma série de um gênero que o senso comum considera já tão batido, a premissa de Godless traria uma abordagem completamente nova, uma história de faroeste que ninguém jamais viu antes… Bem, continue imaginando, porque a história desta série é uma que com certeza vai soar familiar para muitos: um jovem que cresceu dentro de um bando de foras-da-lei (Jack O’Connell) resolve abandonar o grupo e acaba por se instalar em uma cidadezinha no meio do nada.
O bando, porém, não perdoa a traição e sai em busca dele até os confins do mundo, causando destruição e morte de inocentes por onde quer que passe. E é isso. Simples e despretensioso. Nem espere que algo muito importante seja revelado no último episódio: o final é o bom e velho tiroteio que todos nós conhecemos e amamos, reunindo todos os mocinhos e bandidos em um último grande confronto (nem me preocupo com spoilers, vocês todos estavam prevendo isso).
Do jeito como essa minissérie é fantástica e me deixou contente, não duvido que introduza novos fãs ao gênero.
Mas tem algo na história de Godless que a diferencie de outros faroestes (a exemplo do filme Duas Pátrias para um Bandido, de 1968)? Bem, algumas coisas. A primeira: a cidadezinha em volta da qual a série gira é habitada principalmente por mulheres, uma vez que quase todos os homens morreram em um acidente de mina – e isso é amplamente explorado desde o primeiro episódio. A segunda: a série possui vários subenredos, e alguns deles lidam com temas como relacionamento inter-racial e lesbianismo, que, embora não sejam mais tabus em faroestes modernos, ainda assim são raramente abordados de forma natural, muitas vezes sendo colocados na trama de forma forçada – o que, felizmente, não é o caso aqui. E, bem… É isso. Lendo o enredo de Godless, até me perguntei antes de assisti-la por que tanta gente se deu ao trabalho de falar tão bem dela.
Aí assisti aos sete episódios da série (a experiência toda dura umas sete horas e meia). E aí entendi a razão pela qual tanto falam bem de uma história tão simples: pelo mero motivo de ela ser excelentemente bem contada, tanto narrativa quanto visualmente, com um nível artístico que se vê antes mesmo de os créditos iniciais começarem, e tendo todos os elementos necessários para um clássico de faroeste de mesmo status que os filmes de Gary Cooper, John Wayne e Clint Eastwood.
Scott Frank escreveu muito bem a série, principalmente ao desenvolver os personagens principais, desdobrando-os aos poucos ao trazer à tona suas histórias de fundo em flashbacks um mais chocante que o outro, de tal forma que o drama humano deles é suficiente para manter o espectador intrigado mesmo em episódios quase tão longos quanto um filme. A simplicidade da trama não é problema algum. Não apenas isso, como também dirigiu a série muito profissionalmente, reproduzindo com perfeição o período histórico retratado nos figurinos e cenários… Sem falar em seu talento para representar cenas de extrema violência – principalmente nos flashbacks, filmados em uma paleta quase preto-e-branca que torna tudo ainda mais abominável.
Mas Scott Frank não é o único responsável pela qualidade da série para o qual é preciso tirar o chapéu (por favor, riam). Temos o compositor Carlos Rafael Rivera, cuja trilha sonora é uma das mais memoráveis que ouvi em muito tempo em uma série. Temos o diretor de fotografia Steven Meizler, que consegue capturar toda a beleza do interior do Novo México em tomadas que deleitam os olhos e imploram para ser vistas na tela grande.
E, por último, mas não menos importante, temos o excelente elenco, com todos os atores atuando um melhor que o outro… Com um especial destaque para Jeff Daniels, que interpreta o enlouquecido vilão Frank Griffin, um homem que, mesmo velho e sem um braço, é perfeitamente capaz de liderar um verdadeiro exército de desordeiros que causa devastação de proporções bíblicas por onde quer que passe – e nem por um momento Daniels faz você duvidar disso.
Juntando tudo isso, temos nada menos que uma gema, que – mesmo não sendo essa a proposta da minissérie – faz quem a assiste implorar por mais. Mas, na falta de continuação, o jeito é torcer para a Netflix continuar investindo em faroestes com o mesmo padrão de qualidade. Porque honestamente, do jeito como essa minissérie é fantástica e me deixou contente, não duvido que introduza novos fãs ao gênero.