Embora as credenciais de Grace and Frankie estivessem criando enormes expectativas no grande público, eu não me encaixava nesse grupo. A mais nova série produzida pela Netflix sai das mentes de Marta Kauffman, uma das criadoras de Friends, e Howard J. Morris, co-produtor de Eu, a Patroa e as Crianças (My Wife and Kids).
Kauffman ainda vive sob o brilho de Friends, mas suas criações posteriores se mostraram bem frustrantes, como o vergonhoso spin-off Joey (2004) e a chatinha Related (2005). Morris também não fez coisas muito relevantes, obtendo relativo sucesso com According to Jim (2001-2009). Vale lembrar que os dois vêm de um estilo de humor que anda morrendo aos poucos: as sitcoms, comédia de situação com cenário fixo e um texto com armadilhas fáceis para fazer o público rir, geralmente marcado por claques, aquelas risadas ao fundo. A curiosidade, para mim, vinha pela escalação dos talentosos atores que protagonizam a história, especialmente por Jane Fonda (77) e Lily Tomlin (75), que voltam a contracenar 35 anos depois de atuarem juntas em Como Eliminar seu Chefe, comédia sobre uma vingança de trabalhadoras. Assim, foi com muita despretensão que fui assistir a Grace and Frankie e, ainda que precise encontrar o tom certo, foi uma bela surpresa.
Em uma sociedade que faz questão de ver a terceira idade como a última etapa, a série aparece como uma ode à vida.
Após 40 anos de casamento, Grace (Jane Fonda) e Frankie (Lily Tomlin) são convidadas por seus maridos Robert (Martin Sheen, de The West Wing) e Sol (Sam Wateston) para um almoço. Os dois são amigos e sócios de longa data e chamam suas esposas para fazer um anúncio. Enquanto as duas especulam se o assunto seria a aposentadoria dos maridos, Robert dispara: os dois são amantes há 20 anos e agora querem passar o resto da vida juntos. Após a aprovação do casamento igualitário, eles resolvem deixar suas mulheres para se casarem. Assim, a série começa a mostrar Grance e Frankie tentando seguir em frente, intercalando suas histórias com a dos maridos.
Embora o roteiro seja um pouco preguiçoso na maneira de construir a narrativa, o acerto da série vem na obrigação da convivência entra as duas mulheres, que se detestavam. Enquanto Grace é elegante e conservadora, Frankie é hippie e espiritualizada. Ao longo dos episódios a amizade entre elas vai se fortalecendo, ao mesmo tempo em que o público se vê fisgado pelo carisma das duas atrizes. Jane Fonda, claramente a protagonista da série (o que me incomodou um pouco, visto que ofusca Lily Tomlin) está um pouco travada nos primeiros episódios, mas logo mostra seu talento e seu belo timing para comédia. Já Lily Tomlin interpreta quase uma Phoebe Buffay idosa, embora ao longo dos episódios vá deixando de ser apenas excêntrica para ter sua personalidade mais aprofundada.
Mas o que faz Grace and Frankie ser especial é o retrato da vida depois dos 70 anos. Sem estereótipos ou preconceitos, as duas mulheres transam, bebem, usam drogas, namoram pela internet e saem para a balada. Ao mesmo tempo, seus ex-maridos começam a viver sem máscaras ou amarras, não sem antes assumirem a dificuldade em “sair do armário”. Além disso, ver dois atores veteranos fora de suas zonas de conforto é um deleite.
Em meio a tantas produções que exaltam a juventude e o modo despretensioso de viver, Grace and Frankie vem lembrar que a vida tende a melhorar com a passagem dos anos. Em uma sociedade que faz questão de ver a terceira idade como a última etapa, a série aparece como uma ode à vida. E é justamente nas situações em que as duas mulheres refletem sobre situações típicas do cotidiano que a produção se destaca. Em determinado momento, por exemplo, Grace e Frankie falam sobre sexo, o medo de outro homem ver seus corpos nus, a necessidade do uso da camisinha e até sobre secura vaginal. O que podia parecer forçado, acaba sendo extremamente natural, como deveria ser, graças ao texto e ao talento das duas atrizes.
E ainda que o roteiro traga sempre uma carga dramática leve, é encantador perceber uma certa melancolia agridoce naqueles discursos. As duas questionam não somente a mentira que foi seus casamentos, mas a forma como elas encararam a vida nos últimos 40 anos. Aos poucos, as duas escolhem deixar de ser vítimas para aproveitar a situação e se reinventar.
Outro acerto, ainda que precise de ajustes, é a relação dos filhos dos casais. Quem mais se destaca na primeira temporada é Brianna (June Diane Raphael, de New Girl) interpretando a filha de Grace e Robert. Com um timing de comédia perfeito, a atriz faz rir mesmo sem precisar falar muito, sendo a voz coerente nas horas de situações absurdas. Já os outros filhos acabam tendo participações menores, sem que suas histórias sejam desenvolvidas de maneira eficiente, mas que provavelmente serão utilizadas na segunda temporada (a Netflix confirmou hoje, 27 de maio, a renovação da série).
Porém, embora a série se classifique como uma comédia dramática, não funciona muito bem quando a função é fazer rir – e aqui não estou falando que a produção tem obrigação de ser escrachada. Uma série de comédia não necessariamente precisa fazer o público gargalhar, mas talvez pelo próprio estilo dos seus criadores, Grace and Frankie força situações que beiram a vergonha alheia, como a cena completamente clichê das duas mulheres chapadas na praia, o flashback de um parto absurdo (que já está na lista das cenas mais constrangedoras que eu já vi em uma série) ou quando Frankie tem um ataque de pânico depois de um terremoto. Talvez o objetivo seja a inserção de um humor nonsense na história, mas quando os próprios personagens acabam levando a situação a sério, tudo fica bem forçado.
Tentando sempre não ser somente drama ou somente comédia, Grace and Frankie tem dificuldade em aprofundar seus personagens. A impressão que dá é de que os roteiristas estão tentando dialogar com o humor dos anos 90/2000 e a forma atual de se fazer comédia. Assim, muitas vezes parece que vamos ouvir as risadas do público ao fundo. Eles até acertam em diversos pontos, mas a série só se mostra promissora mesmo nos plots dramáticos. Portanto, o último episódio aparece como um grande acerto quando deixa ganchos interessantes (e densos) para um eventual segundo ano.
A Netflix vem sendo um espaço midiático importante para diversos públicos. Temos dramas adultos como Bloodline e House of Cards, comédias ácidas como Unbreakable Kimmy Schmidt e Orange is the New Black, série histórica com Marco Polo e, agora, Grace and Frankie, uma produção que ainda precisa encontrar o tom certo, mas que ganha força ao colocar em foco um assunto extremamente relevante, especialmente no Brasil, quando um parcela da população boicota uma novela por colocar duas senhoras vivendo juntas. Grace and Frankie não apenas tem (vários) beijos entre dois homens septuagenários, como destaca que nunca é tarde para se livrar das fachadas sociais e colocar a vida nos eixos.
PS: a abertura da série lembra muito a de Tapas e Beijos, série de Cláudia Paiva exibida pela Globo todas as terças-feiras.