Eu não sou puritano e nem critico humor negro, pelo contrário. Este ano, por exemplo, a HBO nos entregou Barry, comédia sobre um assassino de aluguel que acaba entrando num grupo de teatro e precisa lidar com sua “ocupação” de matar pessoas e seu novo amor por atuar. Ali, o absurdo funciona. Six Feet Under falava da morte de maneira inteligentíssima e com um humor pesado, mas funcional. Também não sou daquelas pessoas que só consomem um humor fino ou rebuscado. Portanto, não foi somente o humor grotesco e escrachado que me fez ter odiado Insatiable. A série é ruim em tudo o que se propõe.
Para quem está perdido, Insatiable conta a história da estudante adolescente Patty (Debby Ryan), uma garota gorda que vive sendo humilhada pelos colegas por causa do seu peso. Após agredir um morador de rua que estava tentando roubar seu chocolate (!), Patty é internada por alguns meses e perde 30 quilos. Agora magra, Patty decide se vingar de todos que a trataram mal. Ela conta com a ajuda de Bob (Dallas Roberts), que decide ajudar a menina a ficar, hum, empoderada, inscrevendo a garota em concursos de misses pelos Estados Unidos.
Havia certa esperança de que toda aquela polêmica sobre a série — que ocorreu bem antes da estreia, quando a Netflix lançou o trailer e todos acusaram a produção de ser gordofóbica — fosse apenas uma jogada de marketing ou um erro de edição. Infelizmente, não só as críticas eram válidas como a série conseguiu piorar a situação. Já seria o suficiente se falássemos apenas do roteiro e das atuações (especialmente a da protagonista, péssima), mas a coisa piora.
Embora soe engraçadinha, ácida e espertinha, Insatiable faz um humor que não cabe mais na televisão. O resultado é estranho, ofensivo e pouco criativo. Num primeiro momento, se você olhar rapidamente, parece que a série tenta dialogar com temas relevantes, como a obsessão por perder peso, a superficialidade da aparência, a busca pela identidade, a sexualidade, a amizade e por aí vai. Mas nada é dito de forma coerente. É uma mistura de temas confusos que são jogados sem nenhum desenvolvimento. É só uma miscelânea de provocações e piadas fracas que não fazem refletir e não fazem rir, mas incomodam.
‘Insatiable’ se vende como uma sátira, mas não causa um pingo de reflexão.
É incompreensível que a mesma empresa que demite Kevin Spacey após denúncias de abuso seja a mesma que aprove a produção de uma série que faz humor com pedofilia sem nenhum tipo de ressalva. Patty é apaixonada por Bob, um homem bem mais velho, que ao menos no começo da série, parece bem inclinado a ceder aos impulsos da menina. Mas o pior é quando criam uma personagem absurdamente estereotipada para fingir um assédio que não aconteceu, levando a entender que, bem, algumas mulheres fingem terem sido abusadas apenas por vingança. Há também uma outra personagem adulta tendo relações com um garoto adolescente, algo que não parece chocar ninguém.
Tudo é tão absurdamente errado que a série finge falar sobre gordofobia… fazendo mais gordofobia. Todos os estereótipos estão lá e não são irônicos ou espertinhos. Não. Os roteiristas apenas acham que aquilo pode ser cômico. Patty é a única garota gorda do colégio inteiro e, mesmo depois de ter emagrecido e recebido mensagens de que a aparência não é tudo, o roteiro continua associando gordura ao nojo. Da mesma forma, todas as cenas que mostram Patty sucumbido à comida são grotescas, como se gordos só fossem gordos porque comem o dia todo, são pessoas sujas e vivem sentados com restos de biscoito no moletom.
Não se trata de conservadorismo. Insatiable se vende como uma sátira, mas não causa um pingo de reflexão. As metáforas não funcionam, o texto não acrescenta em nada e, por fim, não diverte. Com um final estranho, que faz a série piorar ainda mais, Insatiable é uma das produções mais problemáticas e ruins que a Netflix já fez. Péssima.