De vez em quando aparecem uns fenômenos por aí que dão certo por causa do boca a boca, talvez a ferramenta de marketing mais eficiente de todos os tempos. Parece ser o caso de La Casa de Papel, série espanhola originalmente transmitida pelo canal Antena 3 e adicionada ao catálogo da Netflix no fim do ano passado. A plataforma dividiu a série em duas partes e confirmou uma terceira, ou segunda temporada, para 2019.
É curioso perceber como a história pegou. Falando apenas do meu entorno social, percebi que pessoas que nem costumam assistir à Netflix ficaram curiosas para saber do que se tratava o assunto que todo mundo estava comentando. A produção é tema nas rodas de conversas dos churrascos, dos bares, do ônibus e do trabalho.
La Casa de Papel está longe de ser uma obra-prima ou algo inovador. Muitas vezes, ela é bem ruim. Há imensos furos no roteiro e os personagens tomam algumas decisões que não fazem o menor sentido ou forçam a mão para a narrativa andar. Isso é bastante perceptível. Mas o acerto é que, mesmo em meio a tantos absurdos da narrativa, os roteiristas conseguem contar uma boa história, o que, no fim das contas, é o que importa. E se esses erros citados fazem a série forçada, os acertos deixam o público sem conseguir parar de assistir. Talvez seja o binge watching mais fácil de consumir.
Poucas séries conseguem reter tanta atenção do público como La Casa de Papel.
Criada por Álex Pina, a série parte de um princípio excelente: oito ladrões se trancam na Casa da Moeda da Espanha com o plano de realizar o maior roubo da história e levar com eles mais de 2 bilhões de euros. Para realizar o plano, esses ladrões se reuniram por cinco meses a fim de planejar tudo milimetricamente. Lá dentro, a gangue precisa lidar com as dezenas de pessoas que mantém como refém, além dos agentes da força de elite da polícia, que fazem de tudo para que a investida dos criminosos fracasse.
O grande trunfo de La Casa de Papel é pegar um argumento bom e ir moldando-o em diversas situações tensas, sem muita preocupação com a afinação do texto. A inteligência dos roteiristas é maior do que a criatividade, e em muitos episódios isso dá bastante certo. Utilizando artifícios clássicos, como o amor proibido entre dois jovens, a policial com problemas pessoais, o líder que perde o controle por ser egocêntrico e perigoso, a série vai deixando o público tenso e apegado a todas aquelas personas. Não é tão fácil assim construir personagens criminosos e carismáticos ao mesmo tempo.
Quanto mais a história avança, mais complicada vai ficando e a diversão mora aí. Para algumas séries é necessário assinar um contrato mental de suspensão da realidade, senão você não embarca. A primeira parte consegue fazer isso de maneira mais orgânica. Já a segunda leva de episódios mostra um certo cansaço, e os furos vão ficando mais grosseiros. Há um certo conservadorismo disfarçado nos discursos e o único personagem de fato perigoso é Berlín (Pedro Alonso), que garante à série uma sensação de urgência.
Por isso, a renovação da série (que foi planejada como minissérie) é obviamente uma tentativa de monetizar em cima do sucesso da história após a distribuição pela Netflix, algo que aconteceu com 13 Reasons Why, também da Netflix, e Big Little Lies, da HBO. Resta saber como os roteiristas vão apresentar novas histórias para um enredo que deveria ser enxuto.
De qualquer forma, La Casa de Papel tem elementos suficientes para fazer você roer as unhas e não desgrudar o olho da tela. Quer diversão maior do que isso? Podemos listar aqui os maiores erros e inverossimilhanças do roteiros, mas uma coisa é fato: poucas séries conseguem reter tanta a atenção do público, até mesmo daqueles que não aguentam passar mais de uma hora em frente à TV.