Como a Amazon Prime demorou a chegar ao Brasil e a facilidade trazida pela grande oferta de séries com a Netflix, baixar programas tem sido uma atividade mais rara em comparação a outras épocas. Este foi o grande motivo que levou parte do público à incredulidade quando, em 2016, Mozart in the Jungle, série original da Amazon, faturou todos os prêmios a que disputou, incluindo um Globo de Ouro de melhor série de comédia e duas honras para o ator mexicano e protagonista da série, Gael Garcia Bernal (Globo de Ouro e IFA de melhor ator em série de comédia ou musical).
A primeira temporada da série, adaptação do livro Mozart in the Jungle: Sex, Drugs and Classical Music, um misto entre autobiografia e memórias de Blair Tindall, oboísta da Filarmônica de Nova York, é uma pequena preciosidade, um produto cultural agradável por seu humor delicado, mas ao mesmo tempo eletrizante pela forma como a história é narrada. Levada às telas pelo trio Roman Coppola, Jason Schwartzman e Alex Timbers, Mozart in the Jungle se divide entre dois protagonistas: Rodrigo (Gael Garcia Bernal) e Hailey (Lola Kirke).
O trio criativo por trás da série, juntamente com o diretor Paul Weitz, assume o papel de observador, destinando um olhar crítico, meio sádico, e ao mesmo tempo irônico à elite e aos músicos
Gael é Rodrigo (um personagen inspirado no maestro venezuelano Gustavo Dudamel, que rege a Filarmônica de Los Angeles, nos Estados Unidos), um excêntrico violinista e maestro mexicano, que assume a Filarmônica de Nova York substituindo ao maestro Thomas Pembridge (Malcolm McDowell) em uma iniciativa do conselho da orquestra, que acredita que a figura peculiar de Rodrigo é o que precisam para resgatar a fama e a importância dela. Concomitantemente, acompanhamos a bem atrapalhada rotina da oboísta Hailey (Lola Kirke), que entre aulas para adolescentes e participações em pequenas produções da Broadway ambiciona assumir um dos postos de oboísta na Filarmônica de Nova York.
Existem vários fatores que tornam a primeira temporada um deleite aos fãs de séries. Mozart in the Jungle une de forma coesa uma refrescante trama sobre música clássica com toques de drama ao mesmo tempo que entrega um humor sólido ao espectador, desconstruindo este universo que parece tão distante de nós, meros mortais. Diferente de outros programas, em que Nova York exerce um papel preponderante – e atua quase como um personagem -, Mozart in the Jungle faz da metrópole apenas seu pano de fundo, sendo o verdadeiro cenário os palcos do mundo da música clássica e todas as idiossincrasias que envolvem esta parcela tão ímpar do universo musical.
Rodrigo funciona como uma antítese das orquestras. Sua personalidade chega, até mesmo, a sufocar a própria existência da instituição. Enquanto isso, Hailey nos convida a um passeio pelo submundo dos artistas, dando a impressão que tentam, ali, fazer um mea-culpa do ego dos músicos, que vivem vidas atribuladas e cheias de percalços, muitos apenas vendendo uma ideia de status que, ao fim e ao cabo, não condiz com a realidade.
O trio criativo por trás da série, juntamente com o diretor Paul Weitz, assume o papel de observador, destinando um olhar crítico, meio sádico, e ao mesmo tempo irônico à elite e aos músicos, quase nus em cada um dos dez episódios da temporada inicial. É zero glamour, pelo contrário. Os integrantes da orquestra são apresentados com suas fragilidades e imperfeições à mostra, bem como as dificuldades de viver da arte. O interessante é que para chegar até aí a série evite colocá-los sob o viés da vítima. Drogas, vícios, traições, egoísmo, arrogância, ambição, tudo é jogado na tela na tentativa de, através deste microcosmo, falar, também, sobre o macro.
Ainda que a tensão romântica que vai sendo desenvolvida entre Rodrigo e Hailey soe um pouco forçada, é até possível perdoar a opção criativa dos produtores. Com personalidades tão distintas, torna-se interessante esperar para ver o que estes opostos não tão opostos podem oferecer um ao outro. Se fosse o espectador, não esperaria para começar a série o quanto antes.