Há uma pequena pérola do humor, ainda pouco conhecida no Brasil, escondida no vasto universo das séries contemporâneas. Falo de The other two, sitcom produzida pelo canal Comedy Central, que faz um ácido comentário sobre a corrida em busca da fama e os constrangimentos (hilários) para os que tentam navegar nesta onda, mas não conseguem virar celebridade de jeito algum.
O tema não é novo nem inédito – pelo menos desde a novela Celebridade, da Globo, estamos nos estarrecendo com a ascensão da fama enquanto valor numa sociedade que parece capaz de fazer qualquer coisa para alcançá-la. Há ainda toda uma exploração cômica, feita pelas narrativas midiáticas, em cima daqueles que se frustraram nesse caminho, numa espécie de anti-jornada do herói. A série mais perspicaz nesse sentido talvez seja The Comeback, em que Lisa Kudrow dá vida à inesquecível Valerie Cherish, uma atriz que tenta a todo custo recuperar o sucesso vivido nos anos 80. O teor “vergonha alheia” de todas as ações de Valerie tornaram-na um verdadeiro ícone televisivo – ironizando, de alguma maneira, a própria trajetória de Kudrow, uma das estrelas de Friends.
The other two vem provar que o universo dos famosos e a sede pela fama ainda dão pano para manga e rendem algumas boas piadas originais. A história se centra na vida dos irmãos Cary (Drew Tarver) e Brooke (Heléne Yorke), ator e dançarina malsucedidos nas suas profissões, mas que parecem continuar dando murro em ponta de faca e insistem no sonho de alcançar patamares mais altos. Mas daí algo bastante inusitado acontece: seu irmãozinho de 13 anos, Chase Dreams (vivido por Case Walker), grava uma música e vira um fenômeno teen imediatamente (por isso, os irmãos são “os outros dois” do título). De forma bastante engraçada, Cary e Brooke se veem gravitando em torno do mundo dos ricos e famosos – mas não exatamente como desejavam.
The other two vem provar que o universo dos famosos e a sede pela fama ainda dão pano para manga e rendem algumas boas piadas originais.
O grande trunfo de The other two é a quantidade de boas piadas que conseguem agregar – não por acaso, a criação é de Chris Kelly e Sarah Schneider, que já atuaram como redatores de Saturday Night Live. O texto da série é ácido e atira para todos os lados. Requer, talvez, uma boa dose de referências sobre o universo que está satirizando: das estrelas adolescentes, dos influencers, dos artistas que se tentam se manter puros frente a uma realidade que prioriza o número de likes. Os personagens tangenciais – como o roomate de Cary, um homem heterossexual com certas liberdades, ou o agente de atores que faz bico como Uber, a idosa que vira “dublê” de Chase Dreams – são todos engraçadíssimos. Não parece haver nada sobrando no roteiro escrito pela dupla.
Mas penso que a principal sacada de The Other Two esteja na construção tridimensional dos personagens, que fogem dos estereótipos clássicos que se esperaria. A começar pela estrela teen, Chase Dreams (claramente uma referência a Justin Bieber). O caminho mais óbvio seria construí-lo como um adolescente raso, escroto – mas Chase é um menino doce, que equilibra o deslumbre com a fama e o apego à família (há ainda uma subtrama dramática que cerca a família Dreams, e que traz uma dose emocional à série, sem chegar a comprometer o caráter cômico da história). O mesmo acontece com Cary e Brooke, que são igualmente fúteis e complexos – ou seja, são capazes de gerar forte empatia com o espectador.
Por fim, vale destacar a força do resto do elenco de apoio, a começar pela mãe, Pat Dubek (vivida por Molly Shannon, também vinda de Saturday Night Live), uma mulher viúva (as circunstâncias fazem parte de um “mistério” na trama) e que tenta se reinventar a partir do filho. O único personagem que talvez perca a mão seja o empresário de Chase, vivido por Ken Marino, que pende um tanto para a caricatura – é excessivamente aparvalhado, de uma forma pouco crível.
The other two, felizmente, já foi confirmada pelo Comedy Central para uma segunda temporada. Vale conferir: as risadas estão garantidas.