Jill Soloway parece sempre afiada em seu programa de maior sucesso, a incrível e já histórica Transparent, série que surgiu como uma dramédia e que foi, pouco a pouco, deixando a comédia cada vez mais de lado e assumindo seu lado dramático com mais força. Ainda que a série tenha passado ao largo de grandes premiações em 2017 e que tenha circulado mais a partir do escândalo envolvendo o nome de Jeffrey Tambor, os fãs podem seguir animados com a quarta temporada do show, que apresentou mais um ano consistente.
Este ano de Transparent foi construído narrativamente e tematicamente em torno de uma viagem dos Pfefferman a Israel. Cerca de meia temporada se desenrola fora do solo norte-americano, utilizando a Terra Santa como elemento essencial de seu enredo. Marcada como uma espécie de farol espiritual para milhões de pessoas no mundo, entre cristãos, judeus e muçulmanos, Jerusalém também é sinônimo de conflito entre grupos opostos. Talvez por isso, o cenário seja tão propício para trabalhar a luta interna (ou mesmo entre eles) constante que cada integrante dos Pfefferman enfrenta.
A ida a Israel não é sem motivo. A questão judaica sempre esteve implícita (e outras tantas vezes explícita) na série, então era de se esperar que o país, ora ou outra, tomasse o protagonismo em Transparent. É claro que isso resultou em algumas situações um pouco forçadas, ou mesmo em detalhes do roteiro que pareceram excessivamente deixados de lado, jogados no colo do espectador, mas na soma dos nove, esse material é emocionalmente rico e ressoa no show como um todo.
A temporada se inicia com a ida de Maura (Jeffrey Tambor) para uma conferência, na qual Ali (Gaby Hoffmann) decide ir junto. Eis que um acontecimento inesperado reconecta Maura e seu pai, criando o cenário para que o restante da família se una para participar deste momento – e, em alguma medida, procurar uma reconexão com algo ou entre si.
A maravilha da temporada é conseguir construir a partir dessa viagem um quadro sobre essa família que demonstra o quanto as coisas estão fora de lugar.
A maravilha da temporada é conseguir construir a partir dessa viagem um quadro sobre essa família que demonstra o quanto as coisas estão fora de lugar. Sarah (Amy Landecker) se reconciliou com seu marido (Rob Huebel), mas através de uma maneira pouco convencional; Josh (Jay Duplass) perpetua sua essência perdida; Shelly (Judith Light) permanece ofuscada por sua família, num jogo em que a idade avançada e o descaso de seus filhos são postos à luz; Byrna (Jenny O’Hara), a irmã de Maura, busca uma reaproximação com a irmã, depois que teve dificuldades em aceitar sua transgeneridade. Ao mesmo tempo, eles estão completamente fora de sua zona de conforto, em território estrangeiro, peças de um quebra-cabeça mal resolvido.
Dentre todas as qualidades trazidas por Soloway e seu time de roteiristas a esta temporada, o debate sobra noção de pertencimento (ou de intrusão) é maravilhosamente esquadrinhada a partir de uma metáfora com um detestável hóspede de Airbnb. Não por acaso, a dualidade, tema recorrente na série e não apenas no que diz respeito ao gênero, também aparece aqui de forma inesperada, mostrando que Transparent segue sendo capaz de surpreender – a cena do Muro das Lamentações, local em que, tradicionalmente, homens e mulheres são separados, é qualquer coisa de outro mundo.
Certamente algumas oportunidades são perdidas em determinados episódios, momentos e sentimentos pouco explorados pelo roteiro, ou algumas situações que seguem se repetindo, ainda que sem aprofundamento mais coerente, como o apetite sexual de Sarah ou a conexão de Josh com Rita, uma espécie de dispersão da trama. Ainda assim, é graças a um elenco com soberba atuação que Transparent segue sendo provocativa, cativante e tão fabulosa.