Parece chover no molhado dizer, mas Transparent é um seriado extremamente necessário em um contexto cultural no qual até o nome social torna motivo para levante de um grupo de deputados federais no Brasil. Claro que ele poderia ter muito mais relevância nacionalmente se fosse um programa brasileiro, porém, isso não o deslegitima enquanto ferramenta para o debate de gênero.
Sua segunda temporada parece ter ido muito além. Jeffrey Tambor mais uma vez mostrou porque tem levado todos os prêmios a que disputa. Mas dessa vez ele não veio sozinho. Se há uma coisa que possa ser dita sobre este ano de Transparent é que ele foi sobre desajustados. Jill Soloway fez um brilhante trabalho ampliando o escopo da série, mostrando que um programa pode abordar mais de um tema sem cair em um discurso esquizofrênico. Aliás, isso passa bem longe do seriado.
Nos 10 episódios desta segunda temporada, somos colocados em um lugar no qual presenciamos o amadurecimento de Maura, a personagem de Tambor. O brilhante roteiro do show mostra como assumir-se era apenas o primeiro dos obstáculos a ser superado. Mas, na realidade, o grande acerto de Transparent é não idealizar Maura. Ela é falha como qualquer outro ser humano, inclusive seus filhos, que neste ano ganharam mais espaço na tela e mais espaço nas confusões armadas ao longo dos episódios.
Maura tem enorme dificuldades em se enquadrar. Não se enxerga como homem e sofre resistência das mulheres. Episódios como o que vai ao acampamento feminista com suas filhas – que é, talvez, o mais emblemático desta temporada, quando a equipe de roteiristas coloca os dedos em várias feridas.
Mas, na realidade, o grande acerto de Transparent é não idealizar Maura. Ela é falha como qualquer outro ser humano.
Sarah, Josh e Ali vivem momentos complicados em suas vidas. Sarah está arrependida de ter se casado com Tammy. Ao mesmo tempo, ver o ex-marido procurando fazer um novo relacionamento decolar causa um enorme desconforto a ela. A sensação é que Sarah não tinha refletido sobre as consequências de suas decisões e, por isso, passa a temporada tentando encontrar formas de encontrar uma nova rota para si.
Já Ali segue sua intempestividade da primeira temporada. Entra e sai de relacionamentos sem qualquer espécie de afeto. É como se ela precisasse sempre estar motivada a continuar com uma pessoa e, em virtude da falta de motivação, ela saísse de um relacionamento tão rápido quanto entrou.
Josh entrou em uma fase de receio de responsabilidades. Com o surgimento de um filho que até então ele não sabia da existência, Josh passa a querer agir como um adulto padrão, responsável. Entretanto, seu relacionamento com Raquel acaba sendo atrapalhado por este novo momento, afinal, as responsabilidades que ele assume não são dela e ela nem participa das decisões de aceitá-las.
Esse caldeirão de conflitos, todos absurdamente complexos e muito bem tratados pela equipe de roteiristas, que dão peso a cada personagem de modo a equilibrar a trama, é o que dá a tônica deste ano em Transparent, deixando mais dramática (e com menos momentos cômicos) que a primeira temporada.
E, não obstante, Transparent ainda foi capaz de ser tão pertinente em sua temática quanto já havia sido, demonstrando que é um show que sabe aproveitar esse novo momento da dramaturgia oferecido pelos serviços de streaming com sua liberdade criativa. Que show, amigos.