No início de 2011, quando foi anunciado que Julia Louis-Dreyfus retornaria à TV, os amantes de comédia entraram em pane. A eterna Elaine de Seinfeld estaria finalmente de volta às telinhas e, dessa vez, não apenas em qualquer emissora, era na HBO. Foi um longo ano de espera até a estreia de Veep, que compensou toda a ansiedade gerada com a falta de fotos e vídeos de divulgação. Tudo o que sabíamos era que Julia interpretaria a vice presidente dos Estados Unidos e que a comédia seria uma sátira política, seguindo os moldes da britânica The Thick of It. O resultado: um agradável relato do tedioso porém sempre divertido dia-a-dia da “VP” da nação norte-americana.
Séries políticas costumam ter como premissa os jogos do poder, focando nas manipulações, no duelo de egos e nos limites do ser humano para saciar suas mais doentias ambições, geralmente retratadas de forma intensa e, muitas vezes, chegando a embrulhar o estômago dos telespectadores mais fracos. Mas com Veep é diferente. Comandada por Armando Iannucci, mesmo criador da produção britânica, a série também foca nas ambições dos grandes nomes da nação, porém a partir de uma visão nada convencional: a entediante agenda de compromissos de Selina Meyer, que não se conforma com o fato de sua carreira política sempre acabar sendo ofuscada por outro figurão da Casa Branca, nesse caso, nada mais nada menos que o presidente dos EUA.
Selina não é nenhuma heroína. Cercada por uma equipe de incompetentes (palavras dela), a protagonista está sempre em busca de um novo projeto de extrema relevância à população. Não para o bem do povo, mas para seu próprio benefício. Selina gosta de status e tudo o que mais deseja é ser reconhecida simplesmente pelo cargo que exerce. Algo difícil de acontecer já que está constantemente envolvida em projetos rejeitados pelo presidente, de visibilidade quase nula. Frustrante para vice-líder, mas um prato cheio para os telespectadores. Seu temperamento forte e sua postura desbocada faz de sua torturante agenda algo prazeroso de se assistir. E a rica interpretação da atriz só intensifica essa experiência. Sua expressão corporal (principalmente a facial) é invejável, capaz de transitar de um sorriso de surpresa a um tom de compaixão com toques de cinismo em segundos, quando, em determinado momento da primeira temporada, a protagonista é convocada para substituir o presidente em uma reunião devido a problemas de saúde.
Mas uma comédia não é feita apenas de xingamentos. A cada temporada, Veep acrescenta algo novo a sua temática, possibilitando assim manter sempre o tom de ineditismo em seu universo.
Mas engana-se quem pensa que Louis-Dreyfus carrega a série nas costas. Todo o elenco tem seus momentos de destaque em praticamente todos os episódios – seja com breves aparições, como é o caso do personagem Jonah, correspondente interno responsável pela ponte entre presidente-VP e alvo constante de bullying corporativo, e Sue, a secretária carrancuda e de língua afiada de Selina. Destaque para Gary (Tony Hale, de Arrested Development), fiel assistente pessoal da VP que está sempre a postos com uma bolsa cheia de utilitários que ela possa precisar (como lenços umedecidos para as mãos ou assumindo o papel de ponto eletrônico ambulante para salvá-la de alguma saia justa). Talvez a grande surpresa no elenco seja Anna Chlumsky, a garotinha dos filmes Meu Primeiro Amor. Aqui a jovem interpreta Amy, a competente (e muito workaholic) chefe do staff e braço direito de Selina. Assim como a protagonista, a atriz apresenta uma invejável habilidade de conseguir vomitar um discurso altamente ofensivo, repleto de palavrões, sem nunca parecer forçado ou exagerado.
Mas uma comédia não é feita apenas de xingamentos. A cada temporada, Veep acrescenta algo novo a sua temática, possibilitando assim manter sempre o tom de ineditismo em seu universo. No início costumávamos acompanhar as dores das frustrações de Selina ao se dar conta de que o cargo de vice não lhe dá as mesmas regalias e status do real líder da nação americana. Na segunda temporada, sai a Selina esperançosa (saudades de “Sue, o presidente me ligou?”) e entra em cena uma Selina ciente de que, para conquistar um espaço na mídia, é necessário lutar por projetos mais humanitários. O que não dá muito acerto, mas a sorte bate à sua porta quando o presidente a informa que não irá se candidatar a reeleição, fazendo com que o terceiro ano da série seja marcado pelos preparativos do início da campanha “Selina 2016”.
Atualmente em sua quarta temporada, Selina se vê exatamente onde desejava estar: na Sala Oval da Casa Branca. Com o afastamento do presidente no final da temporada anterior, a ex-veep encontra-se na difícil missão de assumir o tão almejado cargo antes do previsto. Se ela (e toda sua equipe) mal conseguia contornar os imprevistos do cotidiano da vice-presidência, é possível imaginar a loucura que será o breve mandato de Selina, que terá o desafio de se desdobrar entre comandar o país e tocar sua campanha (que, sim, continua de pé). Logo na premiere já tivemos um gostinho do que será essa passagem por esse novo lado da Casa Branca – vide o festival de vergonha alheia causado por Selina e sua equipe com o incidente do teleprompter. Certamente um dos momentos mais hilários da série, com a POTUS usando sua incrível habilidade de improvisação para sair da interminável saia justa.
Mas é inegável o quão artificial seria assistir a uma líder completamente perdida assumindo um cargo tão importante por um mandato completo. Então, para o próprio bem da série, talvez seja melhor torcer para que a campanha “Selina 2016” seja um fracasso e, no final, ela não seja eleita. O que não deve ser tão difícil de acontecer, já que agora que todas as câmeras estão ao seu redor, está cada vez mais complicado para a protagonista esconder os deslizes de sua equipe. Mas ainda é cedo para se preocupar, afinal, se em quatro anos a série conseguiu se reinventar a cada temporada, por que dessa vez seria diferente, não é mesmo?