Para falarmos sobre Vinyl, nova série da HBO produzida por Martin Scorsese, Mick Jagger e Terence Winter, é necessário compreender que é fácil cair de joelhos e disparar elogios sem refletir muito. Afinal, Scorsese ganhou a crítica com a excelente Boardwalk Empire, sem falar nas premiações inquestionáveis no cinema. Terence Winter já virou parceiro fiel de Scorsese, trabalhando com ele em Boardwalk e no filme O Lobo de Wall Street, além de ter sido roteirista de Família Soprano. E Mick Jagger dispensa apresentações. O episódio piloto mais parece um longa-metragem e poderia muito bem encher as salas de cinema. Sendo produção da HBO, há um capricho que salta aos olhos em cada cena, desde a ambientação, trilha sonora, câmeras, diálogos, atores. Tudo é feito com muito esmero. Episódios pilotos geralmente empolgam e, embora seja o único dirigido pelo Scorsese, ele assina a produção executiva. Dito isso, então, a série é boa ou não?
Sim, mas com ressalvas. É claro que HBO + Scorsese é quase uma fórmula infalível de sucesso, mas não por isso devemos ignorar fatores importantes como a pretensão, por exemplo, e o excesso de repetição. Vinyl grita qualidade, mas derrapa em alguns breves momentos que são engolidos pela euforia de um roteiro nervoso (e ótimo), o que pode complicar mais para frente. Mas vamos à história: o público é levado a uma Nova York de 1973. Richie Finestra (Bobby Cannavale, ótimo) é presidente da American Century Records, gravadora que alçou diversos cantores e bandas ao estrelato, mas passa por uma fase decadente e cheia de dívidas. Por isso, a gravadora entra em negociação para vendê-la aos alemães da Polygram. Assim, Richie tenta salvar sua empresa, mas também precisa lidar com seu vício em cocaína, sua vida pessoal desmoronando e com o mercado fonográfico em constante mudança.
O primeiro episódio é Scorsese puro. Temos o desespero de personagens que estão sufocados com suas próprias vidas, temos muita violência verbal e física, muito sexo, drogas e uma Nova York nada glamourosa. As informações são apresentadas de forma muito eficiente, deixando claro que o mote da série vai girar em torno do equilíbrio de Richie entre levar uma vida tranquila, sua carreira e seu vício em drogas, algo nada criativo, mas que nas mãos de Scorsese ganha o público facilmente.
Misturando história real e ficção, Vinyl é quase como viajar no tempo.
Os outros atores, igualmente excelentes, deixam a série interessante ao não focar somente em seu protagonista. Desta forma, as quase duas horas de duração do episódio piloto não cansam, pelo contrário, deixam a audiência querendo mais. Julius Silver (Max Casella) trabalha na gravadora e não consegue encontrar novos cantores e novas bandas para levá-los ao chefe. Jamie Vine (Juno Temple) é uma jovem traficante e funcionária da gravadora, que pode ter encontrado um novo fenômeno da música em um quinteto rebelde (e nada talentoso) chamado Nasty Bits, com um vocalista que parece não se importar com nada (James Jagger, filho de Mick Jagger). A série ainda conta com outros atores que pontuam um humor negro inteligente que deixa tudo mais divertido de se ver. Devon Finestra (Olivia Wilde) interpreta a esposa de Richie e tenta viver com sua decisão de ter abandonado a carreira de atriz para seguir seu marido, ao mesmo tempo em que tenta esconder sua infelicidade por isso.
A produção ainda mostra o machismo de uma época em que rock era coisa de homem. Não vemos nenhuma mulher cantando rock na gravadora e as discussões giram sempre em torno de figuras masculinas – e quando a “menina do sanduíche” tem uma ideia melhor dos que os homens de terno, todos ficam bastante decepcionados. O racismo também se faz presente, em uma interessante cena na qual Richie começa a perceber a entrada da soul music na cultura americana.
Misturando história real e ficção, Vinyl é quase como viajar no tempo, o que lembra muito Mad Men. Dessa forma, Scorsese está extremamente à vontade para apresentar ao público uma série sobre assuntos que ele domina quase como ninguém. Para quem é fã do trabalho do diretor, temos aqui a big apple dos anos 70 junto com a máfia (aqui representada pelos executivos corruptos das gravadoras). Mas não somente a mão de Scorsese pesa no projeto, como Mick Jagger se faz presente, aparecendo quase como um consultor do que seria viver na geração anos 70. Assim, temos Led Zeppelin, Slade, Chubby Checker, Peter Grant e diversos nomes que construíram a revolução musical daquela época. E para quem não conhece, vale uma rápida pesquisa no Google (algo sempre válido, aliás) para entender toda a efervescência vista na série.
Mas a música e as revoluções daquela época parecem apenas pano de fundo para a história de Richie e sua gravadora e é aí que a série dá alguns sinais de fragilidade. Ao focar no drama de seu protagonista, Scorsese e o roteiro de Winter acabam caindo em metáforas não muito elegantes, quase sonhadoras demais. Há, na cena final, um momento de catarse do personagem que não é nada sutil, quebrando o ritmo nervoso que o episódio trouxe até o momento. Outro ponto importante é uma subtrama envolvendo um assassinato que destoa da narrativa e soa forçada. A cena, na verdade, é inspirada, engraçada, scorseseana, mas parece que não deveria estar ali. Pelo pouco visto no primeiro episódio, percebe-se que o fato será decisivo para o andamento da temporada, algo já visto em série menos pretensiosas com o mesmo tema, como Empire e que facilmente cansam o público e servem para enrolar.
Ainda assim, a série já é a promessa de 2016 para ser uma das produções mais interessantes do ano. Bastou um episódio para a HBO renová-la para sua segunda temporada. E para os amantes do rock, Vinyl será uma viagem no tempo. Para os amantes de série, a HBO promete lembrar (de novo) por que televisão deixou de ser perda de tempo, se é que um dia foi.