ANetflix chegou – mesmo que já existisse há anos – para ficar. O serviço de streaming forçou uma nova revolução na produção televisiva, mostrando que o público queria mais ousadia, textos e personagens mais profundos. Vieram na sequência a Amazon e o Hulu, exigindo cada vez mais das produções televisivas e da própria Netflix. Havia concorrência, e não apenas pela aquisição do catálogo de produções novas e antigas (como a disputa por Seinfeld, vencida pelo Hulu). Se em um primeiro instante essa disputa foi saudável para as produções (que podiam pedir mais pelos seus serviços) e para o público (que podia escolher quem oferecesse melhores condições e um catálogo mais próximo de seu gosto), agora parece ter se tornado um grande obstáculo.
A Netflix tem uma grande força com suas produções exclusivas. Invariavelmente, elas estarão disponíveis a todos os assinantes. Sendo assim, um destaque na página de acesso na internet ou no aplicativo para Smart TVs, um email marketing para o assinante e publicações em suas redes sociais têm sido suficientes para que o público assista ao que o canal oferece. Resta a pergunta: estamos sendo verdadeiramente críticos quanto às produções do serviço de streaming?
A pergunta surge após uma análise minuciosa das produções próprias disponibilizadas no serviço. Se, por um lado, vimos o resgate da narrativa em cima do herói Demolidor, o requinte hollywoodiano na abordagem da história de Pablo Escobar (Narcos) e a crueldade do roteiro de Beasts of No Nation, por outro, fomos inundados com produções de baixíssima qualidade, como Love, Fuller House, The Ridiculous 6 e a mais recente, The Ranch.
Em geral, a Netflix obrigou o fortalecimento de seus concorrentes a partir do oferecimento de shows que privilegiam um texto rico. A guinada, por exemplo, na atual temporada de The Big Bang Theory é reflexo imediato de comédias inteligentes que procuram fugir do óbvio, como Master of None e Wet Hot American Summer: First Day of Camp. Ainda assim, determinados seriados, filmes e produções geram uma reflexão se o modelo do serviço não poderia estar sofrendo uma crise.
Por vezes fica a impressão que esse modelo sufoca a própria empresa, que acaba oferecendo programas de qualidade realmente duvidosa.
Seu modelo de negócios exige que sejam ofertados novos seriados e filmes continuamente, de forma que nosso interesse no serviço seja perpetuado. Para além das produções adquiridas que não são financiadas pela Netflix, maior parte do catálogo, diga-se, por vezes fica a impressão que esse modelo sufoca a própria empresa, que acaba oferecendo programas de qualidade realmente duvidosa. O pior nisso é que parte da crítica e do próprio público aceita o comodismo de não precisar recorrer a sistemas ilegais (torrents, Popcorn Time, etc) para acompanhar produções que não passam em nosso território, consumindo o que a Netflix coloca em seu catálogo sem muito senso crítico.
Veja bem: quando conferidos os números de audiência do serviço, a bem da verdade, nebulosos diante da postura da Netflix de segurá-los ao extremo, é possível notar que nem todos os programas possuem a mesma audiência. Logo, é possível especular (e apenas isso, em virtude de tanta defesa de seus números) que o público filtra as produções. Ainda assim, é uma audiência alta se comparada com qualquer show das emissoras televisivas, que pautam a manutenção de seus programas mediante a audiência – audiência alta significa possibilidades comerciais melhores, já a baixa… A Netflix surgiu como a possibilidade de fomento à produção televisiva e cinematográfica. A reflexão e o olhar crítico sobre sua postura de mercado bem como de suas produções é uma forma, justamente, de procurar vida longa ao serviço.
A forma como o espectador consome produtos televisivos mudou nos últimos 10, 15 anos. Reflexo disso são a entrada da Rede Globo com o Globo Play (além do já existente Globosat Play), da HBO com o HBO Now e da FOX com o FOX Play, apostando no on demand e no streaming como futuro. Entretanto, não subjugar o público é necessário, não apenas para a sobrevivência das plataformas, mas, também, para a manutenção da qualidade delas, requisito básico para a continuidade da confiança do consumidor. Em momentos de crise, mais do que em qualquer outra época, vinte reais são vinte reais.